Condenado a seis anos de prisão por burla com bilhetes falsos do Euromilhões

Escolhia vítimas menos informadas e fazia-se passar por titular de bilhetes de jogo premiados. Com o pretexto de que não podia, pessoalmente, levantar o valor do prémio, entregava o falso bilhete às vítimas, em troca de valores monetários, para que fossem estas a resgatá-lo, e depois desaparecia.

Foto
Uma das vitímas chegou a entregar cinco mil euros ao burlão na expectativa de receber algo por ir no seu lugar levantar o falso prémio do Euromilhões SEBASTIAO ALMEIDA

Um homem com 63 anos foi condenado a seis anos de prisão efectiva por burla com bilhetes falsos do Euromilhões.

Juntamente com dois cúmplices, segundo os factos dados como provados em tribunal, escolhia vítimas menos informadas, fazia-se passar por titular de bilhetes de jogo premiados e, com o pretexto de que não podia, pessoalmente, levantar o valor do prémio, entregava o falso bilhete às vítimas, em troca de valores monetários, para que fossem estas a resgatá-lo.

Pelo menos duas das vitimas chegaram a entregar-lhe cinco mil euros cada uma.

A sentença foi agora confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que avaliou o recurso do arguido que pedia que a pena fosse reduzida para menos de cinco anos, a fim de poder ser suspensa para evitar a prisão.

Não conseguiu, porque a sentença de seis anos resultou de um cumulo jurídico, uma vez que foi condenado em dois processos pelo mesmo motivo, sendo que, quando foi julgado no segundo estava com uma pena suspensa de cerca de quatro anos resultante de um primeiro caso onde foi condenado por burla qualificada. Ou seja, o arguido voltou, em menos de um ano, a reincidir no mesmo crime.

Os crimes que concorreram para a sentença de seis anos de prisão foram praticados desde meados de Março de 2016 até Outubro de 2017.

O tribunal considerou que o arguido se dedicou “com permanência, à prática de crimes contra o património, não tendo qualquer actividade profissional com carácter regular ou rendimentos lícitos, ocupando o seu tempo nessa actividade ilícita, de modo a obter rendimentos, tanto que à mesma se referia como o seu trabalho”.

A burla era planeada ao pormenor e na segunda vez que reincidiu no mesmo crime conseguiu burlar seis pessoas em mais de 19 mil euros.

Segundo a decisão do STJ, na execução desse plano, o arguido com os dois cúmplices ou apenas um deles “deslocava-se a cidades de concelhos com elevado número de habitantes que percorriam para escolher uma vítima, que se lhes aparentasse ser pessoa vulnerável, receptiva a pedidos de auxílio”.

Escolhida a vítima, separavam-se e um dos dois membros da dupla abordava a vítima e pedia-lhe auxilio para levantar um prémio do Euromilhões, alegando que não tinha conta bancária, que não pretendia ser reconhecido ou que era analfabeto e necessitava de ajuda para o efectuar, prometendo uma recompensa mas, contrapondo que, como segurança e porque não os conhecia, a vítima teria de entregar uma quantia como garantia de que não deixaria de entregar o prémio ao arguido, o qual então lhe entregaria a recompensa.

Depois, aparecia um dos cúmplices, que fingia não conhecer o arguido, que se oferecia para ajudar a descontar o prémio, disponibilizando-se, espontaneamente, a entregar parte da quantia do prémio a receber, como segurança, o que fazia entregando o que aparentava ser um maço de notas mas em que só a primeira era verdadeira, credibilizando a história que o arguido descrevia às vitimas.

A vítima predispunha-se então a ir levantar dinheiro ao banco que entregava ao arguido. De seguida, juntamente com a vítima, o arguido dizia que iam à Santa Casa da Misericórdia para levantar o alegado prémio.

A meio do percurso para o carro, o arguido simulava ter-se esquecido do Bilhete de Identidade (ou de outro qualquer documento) ou até das chaves do carro e deixava a vítima em espera. Porém, depois desaparecia com o dinheiro desta.

Segundo os factos provados, para dar credibilidade à historia, registava um boletim do Euromilhões com uma aposta de cinco números e duas estrelas e, no sorteio seguinte, efectuavam uma nova aposta com os números e estrelas sorteados no sorteio anterior.

Depois colavam ao segundo boletim o cabeçalho do primeiro boletim do que resultava, por norma, um boletim premiado com um prémio, cujo os valores iam desde os 20 mil aos 80 mil euros, e que era apresentado às vítimas como comprovativo de que o prémio a receber existia.

No recurso que apresentou para o STJ, o arguido não nega o crime, mas pede a redução da pena alegando que tem um cancro e que o fez por questões económicas. A sua defesa alega que, de facto, “durante 16 meses fez da burla modo de vida o que não se contesta”.

Mas considera que a pena lhe foi aplicada “sem dó nem piedade, mesmo sabendo as suas condições muito modestas e os seus problemas de saúde muito graves, conforme é espelhado pelo relatório social e o seu estado visível em audiência de julgamento que o impedia de falar de forma perceptível face à deformação facial (resultante de um tumor) de que padece atingindo as suas cordas vocais”.

“Só por este facto era mais do que evidente que o arguido jamais poderia praticar novamente este crime, posto que tem de utilizar as suas cordas vocais”, alega a defesa do arguido, que considerou que, “em todo este processo, na determinação da medida da pena única, não valorou o tribunal o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, ter 63 anos de idade e desde os 15 anos ter hábitos de trabalho, só interrompidos pela doença do foro oncológico de que padece e lhe foi diagnosticada anos antes da prática dos factos”.

E que por tal, a pena única encontrada não deveria ter ido além dos cinco anos de prisão, e a mesma deveria ter sido suspensa na sua execução.

Porém, o pedido não colheu razão junto do STJ, que relembra que em causa estão crimes contra o património (crimes de burla) e crime de detenção de arma proibida. O arguido, quando foi detido, tinha no carro uma arma de fogo.

Para o STJ, “as exigências de prevenção geral são bastante acentuadas”. “Basta atentar no grande alarme social que os crimes contra o património provocam, motivadores de um forte clima de insegurança que atinge a população em geral”, lê-se na decisão, que sublinha que, “são ainda ponderosas as exigências de prevenção da prática de novos crimes considerando o número crescente de situações de burla com vista à obtenção de benefício ilegítimo com manifesta indiferença pelas regras e valores da sociedade”.

A decisão do STJ sublinha que, “o comportamento do arguido demonstra, de forma clara, que as advertências das decisões condenatórias não constituíram motivação suficiente para o arguido pautar a sua vida pelas regras e normas da sociedade”.

E que, por isso, “a aplicação, no caso, de uma pena de suspensão da execução da pena de prisão, seria claramente de afastar, desde logo por razões de prevenção especial, visto que, de todo em todo, se não demonstra que a simples ameaça de execução da pena seja suficiente para afastar o arguido da criminalidade, com o que se figura inconsistente a formulação do pretextado juízo de prognose favorável, seja em atenção ao trajecto vital do arguido, seja tendo em consideração que uma tal pena não responderia, com adequado vigor, ao sentimento da justiça da comunidade – que, para sua legítima tranquilidade, reclama, atenta a frequência de crimes como os cometidos, uma forte reacção punitiva, incompatível com a ideia de quase impunidade que a pretendida suspensão significaria”.

Assim, o STJ considerou apropriada a aplicação da pena única de seis anos de prisão, pela prática de seis crimes de burla qualificada e um crime de detenção de arma proibida ao arguido.

Sugerir correcção