Fotografia

Há vidas “cheias de nada” nas salas de espera da Europa

A Europa condenou estes migrantes a esperar num asilo para refugiados, no meio da Floresta Negra, na Alemanha. E, enquanto eles esperavam, a fotógrafa Sibylle Fendt retratou as suas vidas cheias de “nada”. Holzbachtal, Nothing, Nothing é um documento que descreve quietude e, simultaneamente, inquietação perante as políticas de integração europeias.

©Sybille Fendt
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©Sybille Fendt

Viver na Europa é, para muitas pessoas, um sonho tornado realidade. Facilidade de emprego, segurança e protecção social atraem milhares todos os anos, mas só alguns podem, efectivamente, usufruir do privilégio da vida no primeiro mundo — aqueles cujo passaporte colhe mais simpatia entre os estados europeus. Cidadãos de países africanos ou do Médio Oriente cruzam fronteiras, atravessam mares, com o céu em mira, mas deparam-se com uma situação de limbo que mais se assemelha ao purgatório.

“Por vezes, pergunto-me: como seria se tivesse de sair da minha casa e começar tudo de novo noutra parte do mundo?” Perante a questão, a fotógrafa alemã Sibylle Fendt é honesta consigo e com quem lê o texto que integra o fotolivro Holzbachtal, Nothing, Nothing, lançado recentemente em conjunto com a editora Kehrer Verlag. “Não consigo formar uma imagem. E a pergunta nem sequer me ajuda a imaginar.” Sibylle sabe que muitos nada encontram em território europeu. “Passei horas, dias, semanas [no abrigo para refugiados Holzbachtalstraße 8, junto à Floresta Negra] e nada aconteceu”, afirma. “Foi uma experiência nova e desconcertante para mim. A palavra que mais ouvi foi 'nada'.”

Entre 2015 e 2018, a fotógrafa visitou com frequência o edifício H8, que servia, então, de abrigo a dezenas de requerentes de asilo de várias nacionalidades, que optou por não discriminar. “E durante os três anos que lá passei a fotografar, testemunhei o pouco esforço que era feito por integrar os residentes [na sociedade alemã].” Longe da vila mais próxima e de qualquer tipo de comércio, os residentes viviam isolados. A distância era “descabida”, apelida a alemã. “A única pessoa que mostrava interesse pelos residentes era a Sandra, uma voluntária que fazia um esforço notório por ajudá-los. Os administradores, os assistentes sociais e os funcionários de manutenção viviam sob stress e tinham muitos outros abrigos, além deste, para cuidar. E, geralmente, preferiam estar em lugares mais agradáveis. Todos se culpavam mutuamente do facto de o lugar estar tão negligenciado e de os residentes estarem tão profundamente sozinhos.”

O único local para onde conseguem escapar é a “bonita Floresta Negra”, que não tinha qualquer significado a seus olhos. Debaixo das árvores, “construíam pequenos refúgios, pequenas tendas em tecido, onde se juntavam para beber chá, fumar, telefonar para familiares e amigos e recordar os seus desejos e sonhos”, descreve a fotógrafa, que era bem-vinda entre os residentes. “Convidavam-me para jantar e deixavam-me passar tempo com eles. Mas, por vezes, queriam estar sozinhos – suponho que em momentos em que se tornavam demasiado conscientes da sua situação desesperada e sentiam vergonha.” Apesar da proximidade, a fotógrafa sente que permaneceu sempre uma estranha para estes homens. Talvez porque, mesmo tentando, nunca conseguiria colocar-se no seu lugar.

Sybille quis fazer um retrato do vazio dos seus dias. “Quis mostrar o que se sente quando nada acontece, quando se desconhece, por completo, o futuro, e descrever a aparente serenidade com que estes homens enfrentavam a situação.” Holzbachtal, nothing, nothing tornou-se no seu mantra. O abrigo encerrou em Dezembro de 2018. Os residentes que lá viviam foram relocados para outros abrigos na mesma região. Mas Sybille não esquecerá Holzbachtal. “Ficará, para sempre, gravado na minha memória. Foi lá que aprendi a deixar o tempo passar e a encontrar um sentido no aqui e agora; e a traduzir o vazio em imagens.”

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Capa do fotolivro "Holzbachtal, Nothing, Nothing", de Sybille Fendt, pela editora alemã Kehrer
Capa do fotolivro "Holzbachtal, Nothing, Nothing", de Sybille Fendt, pela editora alemã Kehrer