Earth Speakr: “Não damos voz às crianças. Reconhecemos que elas a têm”, diz Olafur Eliasson
O artista Olafur Eliasson criou uma plataforma artística interactiva que convida crianças de todo o mundo a falar pelo planeta. Para que os adultos ouçam o que elas têm a dizer. “As crianças não são o utilizador final, são o co-produtor.”
Quando Olafur Eliasson começou a desenhar a ideia de uma obra de arte que desse a palavra aos mais jovens pensou numa espécie de cápsula do tempo: cartas do futuro para o presente, avisos, cenários do que aí vem. Mas o que descobriu nas primeiras sessões exploratórias com crianças, psicólogos e especialistas foi algo bem diferente. “As crianças não eram muito boas a imaginar o futuro”, recorda o artista dinamarquês-islandês ao P3, numa conversa por videochamada a partir do seu estúdio em Berlim. “Olhar para 2030? O Acordo de Paris? Se tens menos de 14 ou 12 anos, isso é tudo abstracto. Foi uma grande surpresa”, continua.
“No início do projecto queria que a narrativa fosse fingir que estávamos no futuro, mas as crianças estão mais interessadas em parar de falar sobre o amanhã e fazer algo agora”, diz Olafur Eliasson. “Eles são activistas, não são filósofos.” Inspirado pelos movimentos de jovens de todo o mundo que, na senda de Greta Thunberg, têm protestado nas ruas por justiça climática, Olafur Eliasson desenhou uma plataforma onde a voz dos mais novos fosse eternizada e amplificada. “As pessoas que se vão mudar para esta casa a que chamamos o futuro são os mais novos, as crianças. Estamos a desenhar uma casa para eles e somos tão egoístas que achamos que a casa que nós, adultos, vamos gostar é a casa de que eles vão gostar. Mas como podemos saber?”, explica ao P3.
Olafur Eliasson tem dois filhos na adolescência, de 14 e 16 anos. “Não são embaixadores da Greta, mas sem dúvida que é diferente ter ou não ter filhos quando se fala deste tema”, defende. “Então, pensei: por que não perguntar às crianças que casa, que planeta, querem? Elas querem fazer parte. Não querem ficar sentados a ver-nos construir essa casa”, afirma.
Pôr árvores, sacos do lixo e glaciares a falar
Foi a pensar nos jovens que se auto-organizam em protestos e marchas que Olafur Eliasson começou a projectar um sistema, e não um objecto. Através da aplicação Earth Speakr, crianças de todo o mundo, dos 7 aos 17 anos, podem animar elementos do meio ambiente usando tecnologia de realidade aumentada. “É uma obra de arte, não é apenas um projecto digital”, apressa-se a esclarecer. “A aplicação é uma câmara, e o que filmam é a narrativa. A voz das crianças é a mensagem.” O resultado revela-se num mapa mundial onde cada ponto representa um vídeo com cariz algo lúdico sobre temas que incluem o plástico, a reciclagem, poluição ou água. Podemos ver e ouvir um rio a perguntar para onde foram todos os peixes ou uma embalagem de cartão a pedir que a deitem no caixote de lixo certo. A plataforma foi lançada este mês de Julho e receberá contributos ao longo dos próximos seis meses.
O trabalho artístico de Olafur Eliasson tem-se cruzado, ao longo dos últimos anos, com os temas da natureza e do activismo ambiental. É conhecido pelas suas obras que jogam com a percepção do espectador, por criar lâmpadas solares portáteis (Little sun) para as muitas comunidades pelo mundo sem acesso à rede eléctrica ou pelas instalações imersivas que pretendem consciencializar sobre as transformações no meio ambiente, ou por ter levado blocos de gelo da Gronelândia para Londres ou Paris, deixando-os derreter em locais públicos.
Para as comemorações dos 50 anos do Dia da Terra, que se assinalaram este ano, Eliasson criou uma série de nove imagens a que chamou Perspectivas da Terra, em que convidava os espectadores a olhar fixamente para o planeta e para um ponto por 10 segundos, e depois focar o olhar numa superfície em branco onde uma imagem posterior apareceria, numa espécie de projecção de um novo mundo. Com Earth Speakr, Olafur Eliasson convida a “ouvir o futuro”, mas com um foco no presente. “As crianças são muito orientadas para a solução: aqui, agora, agir. Mas os adultos acham sempre que sabem melhor. Eu próprio aprendi a não ser tão político. Falar em fazer as coisas e fazê-las é completamente diferente”, diz.
A obra de arte colectiva, que inclui uma aplicação, um site e apresentações em praças de várias cidades europeias, faz parte do programa cultural no âmbito da Presidência Alemã do Conselho da União Europeia 2020. A plataforma artística é financiada pelo Ministério Federal das Relações Externas e realizada em cooperação com o Goethe-Institut. Para o artista era importante utilizar o financiamento público para devolver algo a toda a comunidade. “Inclui todas as línguas, de toda a parte, não é um projecto sobre mim”, afirma. Outro aspecto importante é a segurança: “por questões artísticas e legais, não mostramos o rosto das crianças”, explica o artista, “e a aplicação não guarda as fotografias dos participantes”.
O Earth Speakr é disponibilizado nas 24 línguas oficiais da União Europeia e inclui parcerias com museus, bibliotecas e instituições de ensino, como o Goethe-Institut, para partilhar a plataforma artística online e presencialmente quando e onde for possível em momentos de distanciamento social. Para já, as mensagens do Earth Speakr serão transmitidas no Parlamento Europeu, em Bruxelas e Estrasburgo, e em Berlim no Lichthof do Ministério Federal das Relações Exteriores.
“Neste projecto não damos voz às crianças. Reconhecemos que elas a têm. É sobre ser ouvido”, defende. Ao convocá-los para serem artistas, Olafur Eliasson acaba por validá-los como cidadãos activos, mesmo que não possam ainda exercer, por exemplo, o direito de voto. “Sabemos o que acontece se não somos vistos e ouvidos em crianças. Podemos acabar por ser um alvo fácil para a radicalização. As crianças não são o utilizador final, são o co-produtor”, conclui.