Associação europeia de consumidores coloca TAP na lista negra dos reembolsos
Desde o início da pandemia, diz a BEUC, tem havido “práticas desleais generalizadas” por parte de companhias aéreas ao nível dos reembolsos devidos aos passageiros pelos cancelamentos.
A BEUC, associação europeia de consumidores, afirma que a TAP está no grupo de companhias aéreas com mais queixas de passageiros sobre dificuldades em receber o reembolso em dinheiro das viagens canceladas devido à covid-19. Na lista, de acordo com o comunicado emitido esta quarta-feira pela BEUC, da qual a Deco faz parte, estão também a Ryanair, Easyjet, Aegean, Air France, KLM, Norwegian e Transavia.
Após ter reunido “milhares de reclamações de passageiros”, esta organização europeia pede “uma investigação alargada ao sector” devido ao que diz serem “práticas desleais generalizadas” ao longo dos últimos meses. Desde o início da pandemia, afirma-se no comunicado, várias das maiores companhias europeias têm, de forma repetida, “falhado ao nível dos reembolsos de passageiros” e na prestação de informação sobre os direitos dos clientes.
Reconhecendo que a pandemia veio trazer novos desafios ao sector, a BEUC não deixa de sublinhar que “não é aceitável fornecer informação errada e enganar os consumidores sobre os seus direitos”.
Ao PÚBLICO, a DECO esclareceu que esta foi “uma acção coordenada entre o BEUC e 11 dos seus membros”, e que, a nível nacional, foram feitas denúncias ao regulador sectorial, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), sobre “as práticas promovidas pela TAP, Ryanair, Transavia e Easyjet, solicitando a sua actuação, atendendo às respectivas competências em matéria de fiscalização, com vista à salvaguarda dos interesses dos consumidores”.
“Em causa estão essencialmente práticas que desrespeitam os direitos dos passageiros, em particular no que respeita à informação que lhes é prestada e o direito ao reembolso. A informação incorrecta, a indução em erro dos consumidores quanto aos seus direitos, prestando-lhes informação parcial ou incorrecta, omitindo, por exemplo o direito ao reembolso em numerário, e a imposição de vouchers foram o cerne das denúncias”, adiantou a DECO.
No comunicado emitido pela BEUC, o director-geral da associação, Monique Goyens, defende que são necessárias “fortes medidas de acção” por parte das autoridades nacionais, e que estas já deveriam ter chegado ao terreno, de forma a assegurar que “os direitos dos passageiros também são respeitados em tempos de crise”.
De acordo com a lei em vigor, recorda a BEUC, as companhias aéreas são obrigadas a dar ao passageiro a hipótese de escolher o reembolso em dinheiro em caso de cancelamento do voo provocado por circunstâncias extraordinárias, como é o caso da pandemia de covid-19. Isso mesmo, aliás, já foi reiterado pela Comissão Europeia.
O sector da aviação, através de instituições como a IATA, que reúne as companhias aéreas a nível mundial, tem tentado que seja criada uma excepção legal, mas sem sucesso. Há poucos dias, o director-geral da organização, Alexandre de Juniac, afirmou à francesa BFM Business que as companhias estavam a pedir, “de joelhos”, a ajuda dos passageiros na questão dos reembolsos.
TAP e questões de tesouraria
Por parte da TAP, depois de ter sido questionada logo no final de Março pelo PÚBLICO sobre bloqueios da companhia aos reembolsos, a empresa afirmou que as circunstâncias eram “absolutamente extraordinárias” e que o tema estava a ser discutido a nível europeu. “Todas as companhias aéreas europeias estão a reembolsar com emissão de voucher”, referiu fonte oficial da transportadora, acrescentando que “nenhuma tesouraria, de nenhuma companhia, sobreviveria a ter de reembolsar em dinheiro”.
Actualmente, na parte do site da TAP sobre os cancelamentos de voos devido à covid-19, refere-se apenas que, “após solicitação, será emitido um voucher, no valor do bilhete não-utilizado”. Quando se acede à zona seguinte da página, depois de optar por “reagendar ou pedir voucher”, e onde é referido que há uma majoração de 20% para a opção do voucher, que pode ser pedido no próprio site, surge depois um campo intitulado de “outras formas de reembolso”. Entrando, surge uma mensagem a dizer que, caso o passageiro pretenda que “o reembolso seja efectuado da mesma forma que utilizou para o pagamento do bilhete ou via transferência bancária”, o pedido terá de ser feito junto do contact center.
A TAP está já numa fase de mudança profunda, com o Estado a assumir a posição accionista de David Neeleman, passando de 50% para 72,5% do capital (e dos direitos económicos), o que envolve também a injecção de 946 milhões de euros até ao final do ano (valor que pode ir até aos 1200 milhões). Deste valor, confirmou o PÚBLICO junto do Governo, foi já entregue uma tranche de 250 milhões de euros.
Numa audição parlamentar em Maio, o ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, afirmou, após ter sido questionado sobre o tema, que a questão dos reembolsos era um problema que teria de ser avaliado no quadro da intervenção do Estado.
Processos de contra-ordenação em análise
Ao PÚBLICO, fonte oficial da ANAC afirma que está a analisar “a eventual instauração de processos de contra-ordenação”. Até ao dia 17 de Julho, chegaram ao regulador cerca de 1500 reclamações relacionadas com reembolsos de viagens das transportadoras aéreas a operar em Portugal, mas a ANAC não disponibiliza os doados por companhia.
A ANAC diz que tem actuado junto das transportadoras aéreas desde o início da pandemia para que o regulamento em causa (n.º 261/2004) seja cumprido, e que isso incluiu comunicações a todas as empresas que todas as disposições “se mantinham em vigor, pelo que teriam de comunicar de forma clara e transparente aos passageiros os seus direitos”. O regulador diz que tem também actuado junto das várias transportadoras na sequência de reclamações de passageiros, sem especificar.