Filomena Pereira: “Não podemos acabar com todos os afectos por causa de uma infecção”

Médica da Consulta do Viajante e subdirectora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical defende ser “um dever cívico” fazer 14 dias de quarentena quando se viaja de locais com mais casos para outros com menos.

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A praia não é o que mais preocupa a médica: "é ao ar livre, está calor, e o vírus não sobrevive assim tanto aos ultravioletas do sol" Paulo Pimenta

A investigadora Filomena Pereira considera que não se pode acabar com os afectos devido à covid-19, mas defende ser “um dever cívico” fazer 14 dias de quarentena quando se viaja de locais com mais casos para outros com menos.

“Acho que é um dever cívico de cada um de nós” fazer este período de quarentena e com isto “não estou a dizer para as pessoas não se deslocarem, não verem os seus familiares, porque isso também é importante. Não podemos acabar com todos os afectos por causa de uma infecção”, mas ter o “máximo de cuidado possível", disse à agência Lusa a subdirectora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).

Segundo a médica da Consulta do Viajante, as deslocações dentro ou fora do país devem ter sempre em consideração o número total de casos de covid-19 por milhão de habitantes. “Quando as pessoas vão essencialmente de um sítio onde há mais casos para outros onde praticamente não existem, aí podemos ter um problema”.

Merecem especial atenção alguns países que ainda têm um número considerável de novos casos diários como a Suécia, Reino Unido, Itália, Espanha, França, Alemanha ou Bélgica.

O mesmo se passa quando as pessoas se deslocam de zonas citadinas para zonas rurais. “Vamos viver com esta epidemia uns anos ainda, portanto, há duas coisas que temos de ter na cabeça: primeiro, é que não vamos conseguir estar fechados os anos que vêm até termos uma vacina, um tratamento ou seja o que for. Nem nós nem a nossa economia aguentamos.”

Por isso, “devemos ser cuidadosos e tentar prevenir aquilo que já sabemos que traz complicações, mais problemas e mais mortalidade”, sendo a principal prioridade proteger os idosos e as pessoas com mais risco de complicações.

“Isto é o que eventualmente podemos fazer, agora que há perigo de aumentar a transmissão naquela zona há. Como é que se diminui? Com a quarentena dos infectados e contactos próximos, com as máscaras e com a distância social”, salienta.

Álcool, um desinibidor perigoso

Filomena Pereira adverte para o risco dos “grandes aglomerados nos condomínios, nos aldeamentos” e das excursões que, embora tenham menos pessoas nesta fase, “são grupos e estão sempre a conviver”.

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“A pessoa pode ter o melhor aspecto do mundo, pode ser muito minha amiga, mas não sei se tem a infecção”, adverte Filomena Pereira DR

O álcool é outra situação a ter em atenção. “As pessoas vêm, juntam-se, bebem e com o álcool não temos a noção daquilo que fazemos e em férias isso acontece muito”. Há uma “série de coisas” que é preciso “ter muito em consideração quando se fala de abertura de fronteiras, mais turistas e de pessoas a irem de um lado para o outro”.

As pessoas estavam muito preocupadas com a praia, a mim não me preocupa grandemente, porque é ao ar livre, está calor, e o vírus não sobrevive assim tanto aos ultravioletas do sol. Portanto, a probabilidade de um grupo de pessoas contaminar o outro é relativamente pequeno”, explica.

O que pode preocupar “são pessoas de casas diferentes, juntas no mesmo grupo na praia sem distanciamento”. Podem encontrar-se desde que cumpram todas as medidas de protecção. A pessoa pode ter o melhor aspecto do mundo, pode ser muito minha amiga, mas não sei se tem a infecção”, adverte.

A médica acredita que, se estas medidas forem cumpridas e se se conseguir proteger os grupos de risco, Portugal vai “conseguir manter a situação num número de casos perfeitamente aceitável”.

Esta não é a primeira nem vai ser a última epidemia e que isto ao menos nos sirva de lição para conseguirmos gerir as outras melhor logo de início e, sobretudo, não nos deixarmos levar por aquilo que se diz e escreve nas redes sociais e acreditar apenas naquilo que é a evidência científica”, salienta.

“No início desta pandemia houve muito medo, pânico até, que se calhar não era necessário, porque se espalhavam notícias sem base científica em relação a coisas tão graves como até o modo de tratar a doença”, lamenta.