TAP – uma decisão responsável
Mantendo-a viva e nossa, a TAP pode, e deve, no transporte aéreo, ser o motor de uma estratégia de desenvolvimento de um cluster ligando Academias, empresas e Estado.
Em 2015, o governo do PSD/CDS “ofereceu” a TAP a privados. O pretexto foi a sua alegada má situação económica e financeira, para a qual, segundo Passos Coelho, Portas e Cavaco, “não existia alternativa à privatização” – ideia que os zelosos seguidores de Miss Thatcher haviam vendido aos portugueses. Para isso, Passos Coelho fez tudo para a depreciar, ocultando a verdadeira razão do “negócio: como, na altura, abundantemente denunciámos, a “oferta” da TAP a David Neeleman por uns simbólicos dez milhões de euros deveu-se exclusivamente a razões políticas, preconceitos ideológicos e subserviência a interesses, tal como foi enfatizado pelo próprio Tribunal de Contas.
Um ano antes, Cavaco Silva tinha ido aos Emirados Árabes Unidos “Vender Portugal” (“um país com sol, belas paisagens e cavalos”), onde se gabou do “sucesso das privatizações”, lembrando que ainda havia a TAP para vender.
Através de uma queixa-crime, tomámos de imediato a iniciativa de denunciar esta operação obscura, feita pela calada da noite, por um governo “chumbado” dois dias antes na AR, sem legitimidade para tomar decisões deste alcance e gravidade, alterando os termos do concurso e assumindo dívidas para os contribuintes sem o parecer prévio do Tribunal de Contas nem das outras entidades a quem competia acompanhar e aprovar o “negócio”. E, sobretudo, ocultando que o verdadeiro “comprador” não era, como se impunha, um cidadão europeu.
Se houvesse vergonha, Passos Coelho ter-se-ia lembrado das palavras do vice-primeiro-ministro Paulo Portas, que, em 12 de Junho de 2015, se declarara “bastante descansado com o facto de o vencedor ter origem na América Latina”.
É sabido que, após longas negociações, o anterior governo do PS conseguiu recuperar a maioria do capital da empresa e o seu controlo estratégico. Vantagem que o anterior ministro da tutela nunca usou, deixando Neeleman à solta para fazer livremente os seus negócios em proveito próprio, deixando a TAP à beira da falência. Por uma ironia macabra, a crise provocada pela covid-19 acabou por ser a grande oportunidade que este Governo teve para travar aquilo que seria o fim da nossa empresa aérea. Tanto bastou para que saíssem da toca os fanáticos da tese de que o Estado se deve abster de intervir na economia, fazendo paralelos demagógicos com o Novo Banco e descrevendo cenários alarmistas para os contribuintes, sem admitir que a alternativa seria a nacionalização total ou a falência. Apenas dois exemplos dessa demagogia:
1) “Os impostos dos portugueses é que pagam os prejuízos da TAP.” Ora, o Estado há 22 anos que não coloca um cêntimo na empresa!
2) “Temos que pôr com dono uma empresa que tinha um dono que não cuidava dela”, dizia Passos Coelho em 12-11-2015, quando o “dono” era ele!
A verdade é que a TAP é um património nacional com mais 70 anos de experiência; faz transporte aéreo de passageiros e de carga para a Europa e para o Atlântico; os seus pilotos, tripulantes e outros técnicos têm procura mundial por outras companhias; graças à sua competência e prestígio, o sector de manutenção tem encomendas de outras companhias em Portugal e no Brasil; e é também um símbolo e um garante de soberania e de independência de Portugal. Não é por acaso que, neste momento de incerteza global, todos os governos europeus estão a intervir nas suas companhias nacionais, muitas das quais haviam sido privatizadas.
A melhor demonstração do interesse de um país em controlar uma empresa de transporte aéreo foi dada pelo governo britânico ao excluir Portugal da lista dos países com os quais a Grã-Bretanha estabeleceu corredores turísticos, por causa da pandemia covid-19, como forma de beneficiar a British Airways e a sua filial Ibéria, companhia aérea detida pelos ingleses.
Se a TAP deixasse de operar em Lisboa e Porto, os portugueses teriam de ir apanhar os voos ao aeroporto de Madrid. Este desiderato é há muito desejado pelo Governo de Espanha; e, lamentavelmente, suportado por muitos opinadores que não entendem (?) a ajuda que estão a fazer aos castelhanos.
Por tudo isto, convém lembrar aos incautos e aos demagogos alguns dados e alguns números:
1. A TAP tem um peso de 2% no PIB português (cerca de quatro mil milhões de euros anuais);
2. As vendas de produtos e serviços prestados pela TAP em 2019 foram de cerca de 3,3 mil milhões de euros;
3. A TAP compra anualmente a mais de 1000 empresas portuguesas acima de 1200 milhões de euros;
4. Diariamente, a TAP é o instrumento de exportação de milhares de produtos portugueses. Caso desaparecesse ou perdesse a sua relevância, as companhias que viessem substituí-la reduziriam drasticamente o peso desses produtos, além de poder substituí-los por produtos não portugueses;
5. A TAP tem mais de 10.000 trabalhadores directos. Contando com os trabalhadores indirectos dos fornecedores nacionais, serão cerca de 90.000 os trabalhadores dependentes da TAP. Isto corresponde, em ternos de agregados familiares, a cerca de 270.000 pessoas;
6. Se a TAP encerrasse a sua actividade, aumentava exponencialmente o número de desempregados e a Segurança Social perdia cerca de 1,5% das suas receitas. Quem teria de suportar esta quebra seriam os restantes contribuintes portugueses através de um aumento de impostos.
Mantendo-a viva e nossa, a TAP pode, e deve, no transporte aéreo, ser o motor de uma estratégia de desenvolvimento de um cluster ligando Academias, empresas e Estado.
Nas infra-estruturas aeroportuárias, a TAP permite que a ANA tenha e desenvolva, principalmente em Lisboa e Porto, hubs aeroportuários que, sem a sua existência, dificilmente seriam concebíveis. Por outro lado, com esta intervenção, temos a possibilidade de voltar a analisar e reformular a “pior concessão do Estado Português” – palavras do ministro das Infra-estruturas para classificar a “entrega” da ANA à Vinci, pelo governo PSD/CDS. Finalmente, se subsistissem argumentos a favor do Apeadeiro do Montijo, agora é mais do que imperativo avançar para a construção da 1.ª fase do Novo Aeroporto de Lisboa em Alcochete.
Na formação de conhecimento e competência na construção de infra-estruturas aeroportuárias, a TAP e a ANA podem e devem ser veículos de desenvolvimento deste cluster, juntando também aí empresas e Estado.
Na investigação e desenvolvimento de novas tecnologias e sistemas de informação, incluindo robótica, aplicada a gestão e segurança aeroportuária, a TAP, conjuntamente com a ANA, NAV, ANAC e SEF, podem e devem estar na linha da frente da inovação de produtos e serviços de elevado valor acrescentado, a semelhança do que já fizemos com a Janela Única Portuária.
No desenvolvimento de novas energias aplicadas ao transporte, a TAP pode e deve estar na liderança dessas investigações e desenvolvimento, fazendo parte do cluster do hidrogénio.
Nas acessibilidades ferroviárias e rodoviárias, a TAP será a razão de desenvolvimento de novas ligações que permitam, finalmente, efectuarmos o plano de mobilidade acordado com a Comissão Europeia para as redes transeuropeias de transporte.
Houve, nas duas fases anteriores por que a TAP passou, graves irregularidades que deviam ser apuradas? Este modelo encontrado foi o melhor? A nossa resposta é sim às duas perguntas. Quanto à venda clandestina da TAP a David Neeleman, não desistiremos da queixa-crime, apesar de o Ministério Público querer sacudir responsabilidades no apuramento da verdade. Quanto à solução encontrada por este Governo, ela foi a mais realista e a mais pragmática. E em relação à gestão danosa de Neeleman e seus comparsas, exigimos uma investigação profunda das transacções entre partes relacionadas.
Perante tudo isto (e não falámos na ligação privilegiada com a grande comunidade lusófona e de portugueses espalhados pelo mundo), cabe perguntar: de que lado está, afinal, a irresponsabilidade?