António Costa avisa que a resposta da UE à crise não pode ser “uma ilusão”

Primeiro-ministro reconhece que ainda há muitas questões em aberto a impedir um compromisso entre os líderes europeus para o plano de recuperação da crise provocada pelo novo coronavírus.

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LUSA/STEPHANIE LECOCQ / POOL

À entrada para o derradeiro dia da reunião do Conselho Europeu, o primeiro-ministro, António Costa, lembrou a gravidade da crise que afecta todos os países europeus e avisou para o risco de a UE acabar com um mau acordo e um plano de recuperação desadequado e insuficiente só para se fechar rapidamente o encontro. “Aí teríamos algo de muito perigoso que é uma ilusão para os europeus. A ilusão de que havia um instrumento para responder à crise, mas que pelo seu montante é insuficiente para fazer face  à situação”, afirmou.

A cimeira extraordinária de líderes, que está a decorrer em Bruxelas, foi prolongada para um terceiro dia, numa tentativa de chegar já a consenso para a constituição de um fundo de recuperação para apoiar o relançamento da economia, no valor de 750 mil milhões de euros. Além deste instrumento financeiro, de natureza temporária, os 27 também precisam de acordar o novo quadro financeiro plurianual para 2021-27, isto é, o orçamento da UE que sustenta as despesas com as políticas comunitárias como a coesão e a agricultura. 

Um grupo de quatro Estados membros, conhecido como os países frugais, pretende reduzir substancialmente os montantes propostos tanto para o plano de recuperação como para o QFP — redução essa que, segundo António Costa, compromete a sua eficácia. Esta manhã, circulavam diferentes reformulações para os valores propostos pelo presidente do Conselho Europeu, e contestados pelos frugais, mas ao primeiro-ministro não interessa muito fixar tectos máximos e mínimos.

“Ninguém sabe já estamos a meio, ou se ainda estamos no princípio de uma crise. Há muitas hipóteses sobre o que vai acontecer no Outono e Inverno. Temos todos de desejar o melhor e de nos prevenir para o pior”, declarou o primeiro-ministro, que não arrisca fazer projecções. “Podemos estar numa situação onde a crise ainda se venha a agravar, e portanto o instrumento que hoje venhamos a definir ainda possa ser mais insuficiente que se virá a revelar necessário”, admitiu.

Referindo-se especificamente ao plano de recuperação, baptizado como “Próxima Geração UE”, Costa lembrou que “a proposta da Comissão, assim como a franco-alemã, não nasceram num número que lhes saiu da cabeça. Partiu de uma avaliação racional, feita pelo Banco Central Europeu e a Comissão, de qual seria o impacto da crise nas economias europeias.  É em função dessa dimensão da crise que se tem que definir a dimensão da resposta”, defendeu. 

A proposta original, apresentada pela Comissão e defendida pela chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o Presidente de França, Emmanuel Macron, passava por transferir 500 mil milhões de euros para os países a fundo perdido, e 250 mil milhões de euros em empréstimos em condições favoráveis. No sábado, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, propôs ajustar os montantes das duas parcelas, passando 50 mil milhões do pote das subvenções para o lado dos empréstimos.

A mudança implicava cortes em despesas de programas de gestão centralizada pela Comissão, e não afectava os envelopes nacionais de cada Estado membro, e por isso não foi rejeitada pelos países mais afectados pela pandemia. Costa disse que “matematicamente”, ainda seria possível “conseguir ainda alguma redução sem atingir os envelopes nacionais”, mas frisou que “há um limite a partir do qual não é aceitável” continuar a falar em reduções.

“Não estamos a fechar e a negociar mais milhão, menos milhão, para um quadro financeiro  normal, de circunstâncias normais, para executar nos próximos sete anos. O que está em causa é vital: uma resposta a uma crise que a chanceler [alemã] Angela Merkel já disse que é a maior que temos desde a Segunda Guerra Mundial e que já sabemos que aponta para uma recessão maior do que a de 1929”, prosseguiu. Para António Costa, não faz muito sentido estar a debater se os valores em discussão são “grandes ou pequenos”. “Perante a dimensão desta crise, que é enorme, temos de ter um instrumento de resposta que seja suficientemente robusto e que esteja à altura da situação”, considerou.

Citando o título do PÚBLICO de que as hipóteses de um desfecho positivo para a reunião do Conselho Europeu são de 50/50, o primeiro-ministro reconheceu que as negociações dos últimos dois dias provaram que chegar a acordo será “manifestamente difícil”. Há muitos temas que ainda estão em aberto, e há o princípio de que nada está fechado até tudo estar fechado”, disse. No arranque de mais uma sessão de trabalho, notou que os primeiros sinais depois de uma boa noite de sono eram positivos. “Hoje é o dia conclusivo, ninguém vai ficar cá para amanhã. Temos mesmo de fechar um acordo. O bom sinal é que tem havido um bom clima e uma boa vontade de todos”, apontou, acrescentando que se os líderes não se conseguirem entender, isso “será uma péssima notícia e um péssimo sinal para todos os agentes económicos e para todos os europeus que depositam confiança na UE”.

“Quando as previsões da OCDE apontam para cinco milhões de desempregados em toda a Europa, é incompreensível a dificuldade das lideranças europeias chegarem a um acordo rápido para permitir uma resposta a uma situação desta natureza”, considerou António Costa. Para o primeiro-ministro, “isto é uma situação de tal forma aflitiva que é difícil compreender a resistência a que haja um acordo”.

Notando que a boa vontade e o espirito de compromisso não podem ser unilaterais, e que até agora todo o esforço de aproximação tem sido no sentido de acomodar as reivindicações dos quatro países que querem reduzir a ambição do plano de recuperação e cortar ainda mais no orçamento comunitário. “Não podemos chegar a uma situação em que a proposta merece o apoio dos quatro e a oposição dos outros 23”, disse.

O mesmo braço de ferro já se tinha verificado em Fevereiro, quando uma outra cimeira extraordinária para acertar o próximo quadro financeiro plurianual terminou sem acordo. E deverá acontecer de novo no futuro: questionado sobre as dificuldades em argumentar com os países que se opõem a uma maior resposta europeia, António Costa disse que a sensação que tem é que “há muitos países que estão num fato que já não lhes é confortável”.

“Temos visões profundamente distintas do que é a UE. E aquilo que é o espírito que tem que animar uma união como aquela nós constituímos já não é partilhado por todos. Essa é a realidade”, lamentou o primeiro-ministro. “Hoje há muitas formas diferentes de estar na união e isso condiciona a visão global que há”, prosseguiu. Mas voltando a falar sobre o longo dia de negociações que tem pela frente, sublinhou que “apesar de tudo, ninguém tem vontade de romper, nem com a União nem com esta negociação. Pelo contrário, todos têm vontade de trabalhar para um acordo. Nenhum disse que se vai embora ou que chegou à sua linha vermelha”, afirmou.

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