Suicídio em época de covid-19

Uma larga maioria dos indivíduos com ideias ou gestos suicidários tem dúvidas quanto à decisão de terminar a sua vida e, de alguma forma, anseia por ajuda para poder escolher não morrer.

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Se falar na pandemia de covid-19 tem sido sinónimo de falar de tristeza, isolamento, medo, angústia, desesperança, aparentemente inevitáveis face ao número de familiares perdidos, ao isolamento forçado, às dificuldades económicas e a tantas outras sequelas não-pulmonares do coronavírus, ultimamente tem sido também motivo para reabordar o tema do suicídio, sobretudo depois da divulgada morte do ator Pedro Lima.

Porque muita coisa tem sido dita neste contexto – e, contas feitas, ainda há pouca informação sobre o que é o suicídio, quando é que surge, quais os seus fatores de risco e o que podemos fazer para o prevenir — importa esclarecer algumas noções fundamentais.

O conceito de suicídio engloba desde ideias suicidárias vagas e sem plano ao comportamento suicidário concretizado, passando pelos comportamentos autolesivos com e sem intenção suicidária. As ideias suicidárias podem aparecer como parte duma perturbação depressiva instalada, mas podem também acompanhar perturbações de ansiedade ou reações de ajustamento em personalidades predispostas. O suicídio é um comportamento e não um sintoma, e pode ser potenciado por vários fatores, entre os quais se contam: abuso e dependência de álcool e/ou drogas, isolamento social, idade avançada, problemas económicos, dor crónica e doença crónica que interfere marcadamente no funcionamento diário da pessoa.

Não raras vezes, quando se fala de suicídio aparecem três mitos comuns: 1) “Quem avisa não o faz e quem o faz não avisa”; 2) “Ele/ela só o faz porque quer chamar a atenção”; 3) “Perguntar ou falar sobre ideias suicidas aumenta o risco da pessoa cometer suicídio”. O primeiro é falso, dado que estatisticamente cerca de dois terços dos indivíduos que morreram por suicídio falaram previamente a alguém sobre as suas intenções; o segundo também não corresponde à verdade, uma vez que 40 a 60% dos indivíduos que morreram por suicídio fizeram uma ou várias tentativas previamente; finalmente, o terceiro também é incorreto, porque está comprovado que perguntar sobre ideias suicidas diminui o risco de comportamento suicidário, se as questões forem diretas, feitas com tato, numa postura de escuta e procurando perceber como podemos ajudar.

O suicídio representa muitas vezes uma fuga a uma situação de intensa angústia e sofrimento para os quais, na mente do indivíduo, não há saída possível. Uma larga maioria dos indivíduos com ideias ou gestos suicidários tem dúvidas quanto à decisão de terminar a sua vida e, de alguma forma, anseia por ajuda para poder escolher não morrer. É este aspeto que torna ainda mais premente uma maior informação da população e dos meios de comunicação social como arma de prevenção contra o suicídio. Importa ainda ressaltar que o principal impedimento para que uma ideia suicida degenere num suicídio consumado é o indivíduo não ter acesso a meios letais. Assim, na presença dum caso conhecido de ideação suicidária, urge retirar do alcance da pessoa todo o tipo de possíveis meios (armas de fogo, detergentes, pesticidas, cordas, facas...) que, num momento de impulso, esta possa usar contra si.

Finalmente, e voltando ao falado tema da morte por suicídio de Pedro Lima, é sempre com preocupação que os profissionais de saúde mental observam notícias sobre suicídio recheadas de pormenores pessoais, aparentemente orientadas para saciar necessidades sensacionalistas. É essencial acautelar o perigo do fenómeno de contágio (ou suicídio por imitação) que acompanha as notícias sobre gestos suicidários, sobretudo em figuras públicas: em pessoas predispostas, uma notícia sobre um ator que morreu por suicídio pode fazer surgir o pensamento de que este é um comportamento a imitar ou uma estratégia adequada para lidar com os problemas. O modo adequado para publicitar uma notícia sobre um suicídio inclui excluir detalhes sobre o local e as questões pessoais envolvidas no suicídio e acompanhar a publicitação do sucedido com informação sobre as causas de suicídio, os fatores de risco e os sinais de alarme, as linhas de apoio para quem está numa situação de vulnerabilidade, bem como testemunhos de pessoas que passaram por tentativas de suicídio ou tiveram ideias suicidárias e recuperaram. Uma forma de honrar as vidas roubadas pelo suicídio é insistir na educação sobre o tema e na prevenção, para que cada vez menos pessoas sejam ceifadas por este mal.

É vital realçar que ideias suicidárias não têm que ser iguais a cometer suicídio; efetivamente, muitas pessoas seguidas na prática clínica tiveram ideias suicidas numa fase da sua vida e recuperaram com o devido tratamento e acompanhamento profissional. As perturbações do humor e da ansiedade, tantas vezes ligadas à desesperança e ideação suicidária, têm tratamento economicamente acessível à larga maioria da população e os medicamentos disponíveis permitem que as pessoas mantenham uma vida praticamente normal, mesmo em fases iniciais da intervenção. A esperança nestas situações é, por isso, justa e depende das medidas tomadas acima, em conjunto com uma estratégia essencial: saber pedir ajuda. Há linhas de apoio ao suicídio com profissionais treinados para lidar com este tipo de situações, disponíveis 24 horas por dia (ver abaixo). Todos os Serviços de Urgência dispõem de atendimento em psiquiatria disponível 12 a 24 horas por dia. O suicídio pode ser prevenido e evitado; todos somos agentes da luta contra a desinformação e a favor da prevenção.


Psiquiatra no CadIn


A autora segue o novo acordo ortográfico

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