Presidente da Câmara de Seul encontrado morto dias depois de ser acusado de abuso sexual
Park Woon-soon era apontado como um possível sucessor de Moon Jae-in na presidência da Coreia do Sul. Enquanto advogado, envolveu-se na defesa dos direitos da mulheres. Antes de morrer, deixou uma carta a pedir desculpa.
Na manhã de quinta-feira, o presidente da Câmara de Seul saiu de casa com um chapéu preto e uma mochila, apanhou um táxi para um parque da cidade e ligou para o trabalho a cancelar todos os compromissos na agenda para aquele dia. Horas depois, após a filha ter alertado para o desaparecimento do pai, o corpo de Park Won-soon foi encontrado no Monte Bukak, no norte da capital da Coreia do Sul, tendo deixado antes uma carta de despedida no seu escritório.
“Peço desculpa a todos e agradeço a quem esteve comigo durante a minha vida. Lamento pela minha família, a quem só trouxe dor. Quero ser cremado e que as minhas cinzas sejam espalhadas sobre os túmulos dos meus pais”, escreveu Park Woon-soon, segundo o Guardian.
Depois de uma operação que envolveu mais de 600 polícias, bombeiros, profissionais de saúde, cães pisteiros e drones, as autoridades confirmaram que, dias antes do desaparecimento, tinha sido apresentada uma queixa por assédio sexual contra Park Woon-soon, celebrado pelo seu combate durante décadas pelos direitos das mulheres, por parte da sua antiga secretária, que o acusou de vários abusos desde 2017. A secretária do presidente da Câmara de Seul esteve nas instalações da polícia durante várias horas na quarta-feira, num depoimento que se prolongou até à madrugada do dia seguinte.
Depois de ter encontrado uma carta suspeita do pai, semelhante a um testamento, e de o telemóvel estar desligado, a filha de Park Woon-soon alertou as autoridades, que colocaram imediatamente a hipótese de suicídio. Apesar de os todos os indícios, esta tese não foi confirmada oficialmente pelas autoridades que, contudo, afirmaram que não há sinais de que o crime tenha sido cometido por outra pessoa.
A morte de Park Woon-soon, que cumpria o seu terceiro mandato à frente da Câmara de Seul e era considerado um dos políticos mais populares do país, deixou a Coreia do Sul em choque. Centenas de seus apoiantes do reuniram-se na sexta-feira junto ao Hospital Universitário de Seul, onde o corpo foi levado para autópsia, e gritaram palavras calorosas.
Park Woon-soon foi eleito em 2011, tendo começado o seu terceiro mandato em Junho de 2019. Era apontado como um dos possíveis sucessores do actual Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, cujo mandato presidencial chega ao fim em 2022.
Nos últimos meses, Park Woon-soon foi o rosto do combate à covid-19 em Seul, onde vivem mais de 10 milhões de pessoas, tendo imposto medidas de confinamento rígidas para impedir a disseminação do vírus, num país que foi muito elogiado pela forma como lidou com o coronavírus.
Pedem-se explicações
Com a morte de Park Woon-soon, a denúncia da antiga secretária do presidente da Câmara de Seul deverá ser arquivada, conforme é habitual no sistema judicial sul-coreano. No entanto, grupos feministas exigem explicações e defendem que a investigação deve continuar, apesar da morte repentina de Park Woon-soon.
“Se houver uma ligação entre a morte de Park Woon-soon e a alegação de assédio sexual, Park deveria ter deixado a sua posição clara em vida. Já vimos que existe um lado sombrio mesmo nas figuras proeminentes na vanguarda da mudança social. Temos de nos esforçar mais para mudar isso”, afirmou ao Guardian Han Mi-Kyung, directora da Solidariedade Nacional das Mulheres Coreanas.
Um advogado da família Woon-soon emitiu um comunicado a pedir que o luto seja respeitado e apelou a que não sejam propagadas “declarações infundadas”, ameaçando avançar para tribunal por difamação. “Se os actos de difamação [contra Park Woon-soon ] continuarem, teremos de responder severamente com acções legais”, disse Moon Mi-ran, citado pela Reuters.
As acusações de assédio sexual deixaram o país perplexo, sobretudo porque Park Woon-soon destacou-se ao longo da vida como um advogado que combateu a discriminação sexual e lutou pelos direitos nas mulheres na Coreia do Sul.
Opositor da ditadura militar, o que levou à prisão na década de 1970 enquanto era estudante, participou num caso nos anos de 1980 que levou à condenação de um polícia que molestou uma estudante activista durante um interrogatório. Na década seguinte, defendeu uma professora assistente que acusou um professor da Universidade de Sexual de a assediar sexualmente – foi o primeiro caso de assédio sexual na história da Coreia do Sul.
Segundo o New York Times, Park Woon-soon envolveu-se activamente na defesa das “mulheres de conforto”, mulheres sul-coreanas que se tornaram escravas sexuais e foram levados para bordéis do Exército japonês durante a II Guerra Mundial.
Em 2018, congratulou-se com a chegada do movimento #MeToo à Coreia do Sul e elogiou as mulheres que quebraram o silêncio no país quanto aos abusos sexuais, que levaram que vários políticos, professores, líderes religiosos e treinadores desportivos fossem acusados de abuso sexual.
Park Woon-soon foi ainda um dos fundadores do grupo cívico Solidariedade Popular para a Democracia Participativa, uma associação que tem denunciado a corrupção entre políticos e grandes empresários, e foi uma das vozes mais críticas da ex-presidente sul-coreana Park Guen-hye, acusada de corrupção, tendo contribuído para a sua queda.