Estudo revela que mães infectadas podem transmitir SARS-CoV-2 aos filhos no útero
Investigadores identificaram dois casos de transmissão do vírus da mãe para o filho, tendo detectado ainda a presença do novo coronavírus em amostras de placenta, cordão umbilical, tecido da vagina e leite materno.
Um estudo realizado em Itália revela que as mães infectadas podem transmitir o novo coronavírus (SARS-CoV-2) aos filhos no útero. O estudo foi apresentado esta semana na 23.ª Conferência Internacional da Sida, que se realizou online pela primeira vez devido à pandemia de covid-19.
Embora pouco ainda se saiba sobre o risco de transmissão do SARS-CoV-2 durante a gravidez, os autores do recente estudo detectaram a presença de anticorpos IgM contra o novo coronavírus em dois recém-nascidos.
“A imunoglobulina M (IgM) materna não consegue atravessar a placenta e a sua presença é, portanto, consequência da exposição directa do feto ao antígeno [molécula do vírus que desencadeou a resposta imunitária nos bebés]”, explica Claudio Fenizia, principal autor do estudo e investigador da Universidade de Milão, na apresentação à qual o PÚBLICO teve acesso.
Além disso, a equipa detectou a presença do vírus na placenta de uma mãe, assim como “poucos” casos em que as colheitas realizadas através de zaragatoas nasofaríngeas em recém-nascidos deram resultados positivos para o SARS-CoV-2. Porém, Claudio Fenizia destaca, na apresentação, que pode ter ocorrido “uma possível contaminação imediatamente após o parto”.
O objectivo do estudo passou por “investigar se é possível a transmissão vertical [da mãe para o feto no útero ou para o recém-nascido durante o parto] de SARS-CoV-2”, assim como “a produção de anticorpos específicos em mulheres grávidas e possivelmente nos fetos” e o perfil inflamatório em mulheres e fetos com covid-19.
Os investigadores analisaram 30 mulheres grávidas cujo teste por zaragatoa deu positivo para infecção pelo novo coronavírus no momento em que foram admitidas em três hospitais do Norte de Itália, entre Março e Abril. Foi ainda incluída no estudo uma mulher grávida que já tinha recuperado da doença.
As amostras foram recolhidas durante o parto e no período de lactação, sendo que os investigadores recolheram amostras de placenta, cordão umbilical, de material da vagina, tendo feito ainda colheitas de sangue tanto da mãe como do cordão umbilical. Todas aquelas amostras foram analisadas para detectar a presença de SARS-CoV-2 através do seu material genético, enquanto as amostras de sangue permitiram analisar a presença de anticorpos específicos contra o novo coronavírus. Além disso, foram também analisadas amostras de leite materno.
Claudio Fenizia explica na apresentação que, das 31 mulheres grávidas analisadas, quatro desenvolveram um quadro grave da doença, incluindo uma delas que foi transferida para uma unidade de cuidados intensivos. A cesariana foi realizada em 19% dos casos, metade dos quais devido à gravidade dos sintomas da covid-19 nas mães. Apenas um bebé nasceu prematuramente.
O autor destaca que foi detectada a presença do novo coronavírus numa amostra de sangue do cordão umbilical e na placenta do mesmo feto, o único que nasceu prematuro, cuja mãe desenvolveu um quadro grave de covid-19. Os investigadores detectaram ainda anticorpos IgM noutras amostras de sangue de cordão umbilical de um caso cuja mãe apresentava apenas sintomas leves da doença.
Claudio Fenizia nota que foi também detectada a presença do vírus e de anticorpos contra o SARS-CoV-2 em apenas uma amostra de leite retirada de uma mulher infectada em estado grave, tendo sido ainda detectado o vírus em duas amostras de plasma materno e num amostra de material da vagina — todas elas retiradas de mães em estado grave.
Por fim, foram detectados anticorpos igG em plasma materno em quatro casos, embora os anticorpos não tenham sido transferidos da placenta para os fetos.
O estudo revela que o “SARS-CoV-2 pode ser encontrado na placenta e no sangue do cordão umbilical”, podendo ser também detectado no leite materno — onde se podem encontrar também anticorpos contra o novo coronavírus.
A principal conclusão a que os autores chegaram é que “embora rara, a transmissão vertical intra-uterina de SARS-CoV-2 é possível”. Claudio Fenizia confirmou ao PÚBLICO por email que os cientistas encontraram dois casos de transmissão vertical.
Em Junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que as mães infectadas pelo novo coronavírus não devem interromper a amamentação. “Sabemos que as crianças correm um risco relativamente baixo para a covid-19, mas correm elevado risco para muitas outras doenças e problemas que a amamentação impede”, afirmou, à data, o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, citado pela agência Lusa.
Segundo a Lusa, os investigadores do recente estudo identificaram uma resposta inflamatória específica desencadeada pela covid-19 no plasma sanguíneo da placenta e do cordão umbilical das mulheres grávidas analisadas, que se encontravam todas no terceiro trimestre de gravidez.
À agência de notícias AFP, Claudio Fenizia revelou que estão a ser desenvolvidos mais estudos em mulheres infectadas pelo novo coronavírus em fases iniciais da gravidez, acrescentando: “Promover a prevenção é o conselho mais seguro que se pode dar a essas pacientes neste momento.”