Violentos confrontos em manifestação contra o recolher obrigatório frente ao Parlamento sérvio
Milhares de manifestantes protestaram em frente ao órgão legislativo contra o recolher obrigatório. Um grupo tentou invadir o Parlamento e a polícia avançou contra os manifestantes que acusam o chefe de Estado de ter levantado as medidas de confinamento por motivos eleitorais.
Milhares de manifestantes envolveram-se numa batalha campal com a polícia depois de um grupo ter tentado invadir o Parlamento sérvio na terça-feira à noite. O Presidente Aleksandar Vucic tinha anunciado poucas horas antes a reintrodução de medidas de confinamento, quando nas semanas anteriores, antes das eleições legislativas de Junho, as levantou por motivos eleitorais.
“Ninguém consegue aguentar estes números [de infectados]. Não queremos matar os nossos médicos”, disseo chefe de Estado ao anunciar o recolher obrigatório para o próximo fim-de-semana.
A Sérvia, com uma população de sete milhões de pessoas, tinha acabado de registar 299 novas infecções diárias, num total de mais de 16 mil, e mais 13 mortes, perfazendo 330 vítimas mortais. Mas os números podem ser piores que os revelados, pois uma investigação da rede de jornalismo de investigação BIRN revelou que as mortes podem ser o dobro das registadas e que centenas de pessoas deram positivo nos testes, sem que tenham entrado nos números oficiais.
Pouco depois do anúncio, milhares de manifestantes começaram a concentrar-se à porta do Parlamento, em Belgrado, para exigir a demissão do Presidente, visto por muitos sérvios como autocrático – também houve protestos na cidade de Novi Sad, no Norte do país, e na de Kraujevac, no centro da Sérvia. Alguns manifestantes tentaram invadir o órgão legislativo e, nesse momento, a polícia mostrou força disparando granadas de gás lacrimogéneo e desferindo golpes de cassetete, com os manifestantes a ripostarem com o arremesso de pedras e outros objectos.
As autoridades detiveram 23 pessoas e pelo menos 43 agentes e 17 manifestantes ficaram feridos nos confrontos, anunciou o director da polícia, Vladimir Rebic. Além disso, cinco veículos da polícia arderam e três cavalos usados pelas forças policiais ficaram feridos.
“O Estado e todas as suas instituições vão preservar e proteger a nossa ordem constitucional”, disse na noite de terça-feira a primeira-ministra sérvia, Ana Brnabic. A governante condenou os protestos e atribuiu as responsabilidades pela violência a políticos da oposição e a grupos de hooligans.
Mas a actuação das autoridades também está a ser motivo de preocupação, ao levantar sérias dúvidas sobre possíveis violações de direitos humanos. A Comissária do Conselho Europeu para os Direitos Humanos, Dunja Mijatovic, apelou esta quarta-feira para se abrir uma investigação para se apurar a “responsabilidade” dos agentes que usaram força excessiva e o Belgrade Center for Human Rights anunciou no Twitter ter apresentado duas queixas e notificações ao Provedor da Justiça sobre possíveis abusos policiais.
The violent dispersal of demonstrators by the Serbian police in Belgrade yesterday raises serious #humanrights concerns. The Serbian authorities must carry out effective investigations to establish responsibility and punish the officers responsible https://t.co/HZ0ddHRcSH
— Commissioner for Human Rights (@CommissionerHR) July 8, 2020
Inversão da estratégia
A estratégia do Governo contra a pandemia de covid-19 foi delineada por um grupo de especialistas chineses, que sugeriram estritas medidas de confinamento, e o Presidente seguiu inicialmente os seus conselhos. No entanto, Vucic começou a levantá-las e a reabrir o país nas últimas semanas, pouco antes das eleições legislativas de 21 de Junho, por razões eleitorais.
Passaram a ser permitidos grandes ajuntamentos nas ruas sérvias, alguns dos quais comícios, e os jogos de futebol e ténis tiveram as plateias lotadas, sendo apontados como principais pontos de contágio. Esta estratégia contribuiu para que o partido de Vucic, o Partido Progressista (SNS), vencesse confortavelmente as legislativas ao obter mais de 60% dos votos, enquanto os principais partidos da oposição as boicotaram. Deu-se a entender que o maior risco da pandemia já tinha sido ultrapassado.
Vencidas as eleições, os casos não pararam de subir nas últimas duas semanas e o Presidente viu-se forçado a voltar atrás na imposição das medidas de confinamento. A raiva contra o chefe de Estado é motivada pela acusação de ter posto em risco a saúde dos sérvios para ter proveitos eleitorais, com Vucic a recusar a acusação com a necessidade de proteger a economia.
“Há sete dias, pensei impor mais uma vez o confinamento em todo o país”, disse Vucic. “Se o tivéssemos feito, não teríamos qualquer hipótese de sobreviver economicamente. E precisamos de viver, precisamos de tomar todas as medidas de precaução, mas também precisamos de continuar a trabalhar arduamente para proteger os negócios e trabalhadores da nossa comunidade”.