China já é “um país, um sistema”
A entrada em vigor da Lei de Segurança Nacional aprovada em Hong Kong é a antecipação do fim de uma história que os chineses querem abreviar com o horizonte em Taiwan.
Com os Estados Unidos concentrados na sua crise económica, política e sanitária, sem qualquer veleidade multipolar, a China bem pode fazer o que quiser. Assim como a Rússia ou a Turquia. A vontade expansionista de Pequim é impossível de satisfazer.
A entrada em vigor da Lei de Segurança Nacional aprovada pela China para Hong Kong, à revelia dos órgãos democráticos daquela região administrativa, é a antecipação do fim de uma história que os chineses querem abreviar com o horizonte em Taiwan.
Não foram necessários tanques nas ruas da antiga colónia britânica para travar as liberdades e direitos cívicos dos seus cidadãos, que até aqui combatiam as medidas favoráveis à extradição de Hong Kong e agora se confrontam com uma “anexação" rápida e asfixiante.
Simbolicamente, um dos primeiros actos administrativos consistiu em censurar livros assinados por activistas do território, entre os quais Joshua Wong ou Tanya Chan, que foram apagados dos catálogos das bibliotecas do território. As obras em questão foram colocadas “sob revisão”, prevendo-se que as bibliotecas públicas suspendam o seu empréstimo e, quiçá, elaborem um índex com o que pode e o que não pode ser lido em Hong Kong.
A ambiguidade da nova legislação é tão ampla que permite às autoridades deter e prender qualquer cidadão — mais de 300 pessoas foram detidas no dia seguinte à sua entrada em vigor — com o argumento de promoção da “secessão, subversão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras” e a ameaça de prisão perpétua. A desobediência civil não será tolerada de todo e a liberdade de expressão está por um fio, quando estamos a poucos meses das eleições legislativas em Hong Kong.
Mas por que é que a China decidiu apressar os seus passos em direcção ao princípio de “um país, um sistema”, acabando abruptamente com a autonomia do território 27 anos antes da plena transferência de soberania?
A democracia da ex-colónia tem vindo a desafiar cada vez mais o autoritarismo de Pequim, a importância financeira da praça de Hong Kong tem perdido peso interno com a ascensão de Xangai. Acresce que esta conjuntura pandémica fecha fronteiras, ensimesma indivíduos e nações e não é nada favorável à democracia. O que se passa em Hong Kong é um sinal para o Tibete, mas particularmente para Taiwan. O Presidente chinês quer que a pequena ilha que lhe escapa faça parte do Império do Meio em 2049. Num futuro pós-covid-19, a China terá poucos entraves. Xi Jinping bem sabe disso.