Correr atrás do prejuízo
Os últimos seis meses foram, de facto, particularmente férteis em maus exemplos de comunicação protagonizados por entidades oficiais, precisamente aquelas de quem se esperaria mais contenção, por um lado, e maior assertividade, por outro.
A comunicação em saúde e, mais especificamente, a comunicação de risco, é um dos aspectos fundamentais na saúde pública. Uma comunicação em saúde eficaz deve envolver, influenciar, e dar poder aos indivíduos e comunidades. É, portanto, fácil de perceber que a evolução de um cenário de pandemia depende largamente da eficácia de um plano de comunicação de risco, que aumenta as probabilidades de as comunidades se comportarem como parceiras das autoridades de saúde, promove a contenção do risco, e diminui uma eventual oposição às medidas de saúde pública.
Dito isto, não tenhamos dúvidas de que a comunicação de risco é um processo altamente complexo e, ao contrário do que muitos parecem julgar, nem todos os “especialistas” que diariamente vemos no espaço público mediático estarão aptos a praticar este tipo de comunicação. Exemplo disto mesmo é a aparente ausência de estratégia do Governo e, por arrasto, das autoridades sanitárias no que à comunicação diz respeito.
De facto, há muito que se percebeu que, em termos de comunicação, anda-se repetidamente a correr atrás do prejuízo. Não parece existir uma estratégia de comunicação concertada ou sequer profissionais capazes de orientar políticos e técnicos naquelas que são as maiores dificuldades da comunicação de risco.
E se no início desta pandemia poderíamos pensar que todos fomos apanhados desprevenidos, e que as estruturas, incluindo as oficiais, precisavam de se adaptar, a verdade é que, quatro meses volvidos desde o primeiro caso confirmado em Portugal, pouco ou nada mudou em termos de comunicação.
A resposta comunicacional tem ficado muito aquém do que seria desejável, sendo simultaneamente pouco pragmática e pouco tranquilizadora. A comunicação oficial resume-se praticamente às conferências de imprensa, até há bem pouco tempo diárias, protagonizadas por representantes das autoridades sanitárias e por governantes pela hora de almoço, num modelo que claramente não acompanha nem a evolução epidemiológica nem a avalanche de informação com que nos deparamos a toda a hora. O mesmo pode ser dito em relação à documentação que, nos últimos meses, tem sido divulgada pela Direcção-Geral de Saúde (DGS) através do seu site. Um sem fim de comunicados, normas, orientações, informações, que deixam até o especialista mais atento perdido no meio dos documentos.
Não devemos também esquecer que nem só de palavras vive a comunicação e, neste aspecto, a classe política precisa de ser relembrada, uma e outra vez, de que o distanciamento social também se lhes aplica. De pouco adianta dizer à população para cumprir o distanciamento quando os próprios políticos aparecem frequentemente em grupo no espaço público mediático, num claro exercício de “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”.
Os últimos seis meses foram, de facto, particularmente férteis em maus exemplos de comunicação protagonizados por entidades oficiais, precisamente aquelas de quem se esperaria mais contenção, por um lado, e maior assertividade, por outro. A comunicação é frequentemente o “parente pobre” em vários domínios e a actual crise de saúde pública tem posto a nu uma série de fragilidades que começam muitas vezes nos organismos oficiais. É urgente repensar a comunicação em saúde a partir das entidades oficiais, adaptando a resposta comunicacional à situação que vivemos e promovendo a comunicação a um lugar mais central no “combate” a esta pandemia.
A valorização da comunicação em saúde, que implica naturalmente a integração de especialistas em comunicação na resposta às crises sanitárias, é um investimento a vários níveis. Porque uma aposta na comunicação em saúde é o melhor caminho para o aumento da literacia em saúde, que contribuirá para que tenhamos cidadãos mais informados, mais autónomos, e mais capacitados para lidar com o risco em saúde pública.