Covid-19 e ajudas do Estado às companhias aéreas. Oportunidade única para impor condições ambientais

É totalmente insustentável e irresponsável continuarmos a imaginar que podemos continuar com este modelo de transporte aéreo de crescimento massificado e sem limites.

No tumulto das “negociações” e troca de “mensagens” entre privados e interesse público, resultantes das condições, impostas à TAP pelo Governo (leia-se Comissão Europeia), a muitos terão passado despercebidas as atrevidas e provocadoras insinuações de Michael O’Leary da Ryanair.

Com a mesma ligeireza, transformando o culto assumido da irresponsabilidade, em arma de arremesso, tal como já revelado anteriormente na atitude durante a greve, O’Leary afirmou que o dinheiro da TAP devia ser distribuído por companhias low cost como a Ryanair, que têm demonstrado um desprezo absoluto pelos direitos fundamentais dos seus empregados, uma atitude oportunista e escapista tipo offshore pelo mundo fiscal, assim como, uma pose militantemente trocista por todas as preocupações e exigências ambientais.

Assim, O’Leary considerou todas e quaisquer preocupações à volta do impacto crescente da pegada de carbono da aviação nas alterações climáticas como “lixo completo e absoluto” (“complete and utter rubbish”). Além de confirmar que tenciona utilizar, em plena crise da covid-19 os seus aviões completamente cheios, tipo transporte de periferia. Isto, perante a realidade da pegada de carbono da Ryanair que a põe ao nível da lista negra das carvoeiras polacas, levou Andrew Murphy, o manager da European Federation for Transport and Environment, a concluir: “When it comes to climate, Ryanair is the new coal.” 

Claro que O’Leary não é o único a tentar jogar neste binómio paradoxal: privatização maximalizada do lucro/socialização do risco. Outros, como o famoso multimilionário e playboy “Sir” Richard Branson, 7.ª fortuna do Reino Unido (4.7 mil milhões de libras), dono da Virgin Atlantic, veio pedir ao Governo inglês 500 milhões de libras, oferecendo como garantia a sua ilha privada Necker Island (destruída pelo tufão Irma em 2017). O seu pedido foi recusado.

No meio do devastador coronavírus, temos casos onde os dois factores que mais têm contribuído para a alienação das cidades, o low-cost flying e as plataformas de aluguer a turistas, se encontram. Assim, em Amesterdão, onde a Booking.com se encontra sediada com 5500 empregados, esta plataforma, também perita em oportunismo fiscal, veio pedir dinheiro dos contribuintes, enquanto tinha investido 14 mil milhões de dólares em buybacks das próprias acções.

Enquanto isto, a Sibéria atinge os 38 graus centigrados e apresenta um aumento de cinco vezes do número de incêndios permanentes, com a ameaça directa e incalculável da libertação de gases como o metano, através do degelo do permafrost.

É totalmente insustentável e irresponsável continuarmos a imaginar que podemos continuar com este modelo de transporte aéreo de crescimento massificado e sem limites. As ajudas estatais devem ser acompanhadas de claras exigências ambientais: impostos sobre a querosene. Desenvolvimento de combustíveis “verdes” e técnicas alternativas. Limitação do número de voos. Limitação da expansão de aeroportos. Taxas sobre utilizadores frequentes. Substituição dos voos domésticos e voos até 2 horas e meia de duração por bons serviços de transportes ferroviários a preços compatíveis. Fim de subsídios facilitadores de laxismo da consciência ambiental.

Ah! Andamos preocupados com a boa utilização dos fundos disponibilizados pela magnânima e generosa Merkel, num país devastado também pelas “pandemias” Novo Banco/ Mexia-EDP/PPP Rodoviárias, etc., enfim, um festim de compadrios – corrupção.

Pois chegou a altura de António Costa e o seu Governo fazerem um pouco de “trabalho de casa” para dar conteúdo à pedinchice, e pensarem estrategicamente o futuro do transporte ferroviário (que se encontra na Idade da Pedra) de passageiros no interior do país e respectivas ligações à Europa. Dando assim uma resposta esclarecedora às perguntas concretas e ansiedades expressas nos artigos sucessivos de Carlos Cipriano neste jornal, que só têm obtido o mais absoluto silêncio.

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