Coros voltam a cantar, com os cantores a três metros de distância
Em alguns coros houve dezenas de infectados durante os primeiros meses da pandemia. Estudos não são conclusivos, e o Rundfunkchor Berlin quer ser a prova de que é possível cantar em segurança.
No início da pandemia, alguns coros foram palco de “supercontágios” pelo vírus que provoca a covid-19: em Amesterdão, 100 entre 130 elementos de um coro foram infectados, um dos cantores morreu e três familiares de cantores também. Em Berlim, no coro da Catedral, 60 dos 80 elementos ficaram infectados após um ensaio, incluindo a pianista e o maestro. E nos Estados Unidos, no estado de Washington, após um ensaio do coro de Skagit Valley, 53 das 61 pessoas que participaram ou assistiram foram infectadas, e duas morreram.
Há histórias semelhantes noutros coros e os cientistas põem a hipótese de que ao cantar a inspiração é mais profunda, podendo causar mais problemas se forem inaladas partículas com carga viral, e a expiração é mais forte, assim quem canta pode lançar o vírus mais longe. As salas não são normalmente arejadas, e os membros de um coro cantam muito próximos, fazendo desta uma actividade de alto risco. Por tudo isto, os coros pararam.
Mas com a reabertura de uma série de sectores, muitos defendem que os coros possam recomeçar a cantar, apoiando-se em estudos para argumentar que a actividade é tão perigosa como outras permitidas, e aqui e ali alguns coros foram recomeçando. Um estudo citado é da Universidade Militar de Munique, em que o investigador Christian Kähler, especialista em mecânica da respiração, mediu o fluxo de ar provocado pelo acto de cantar (em vários tons) e o originado por vários instrumentos de sopro (Uflauta, oboé ou clarinete são piores do que, por exemplo, uma trompa). Kähler diz que também é seguro cantar. “O ar foi lançado até cerca de meio metro em frente ao cantor”, diz.
O investigador sublinha que a maioria dos casos de infecções em coros aconteceram antes da adopção de medidas de distanciamento físico. “Provavelmente, os membros do coro cumprimentaram-se com abraços, partilharam bebidas durante as pausas, e falaram perto uns dos outros. Acredito que o comportamento social foi a verdadeira causa destes surtos”, disse ao jornal britânico The Observer. No entanto, no caso do coro de Washington já havia recomendações de distância física e as infecções aconteceram apesar disso.
Outro estudo, também alemão, do Instituto de Medicina de Artes Performativas da Universidade de Friburgo, chegou a conclusões semelhantes. Mas neste caso o responsável Bernhard Richter alerta para facto de não ter sido medida a dispersão de aerossóis, as partículas finas e leves que ficam a pairar no ar e podem circular numa sala fechada, chegando assim mais longe do que o alcance da expiração.
“Claro que os cantores querem respostas claras, preto-no-branco, mas nesse caso é preciso dizer que talvez não saibamos ainda”, alertou. Por isso, Richter não aconselha cantar em conjunto em salas fechadas. “Custa-me muito dizer isto, porque a música é importante para mim, para mim isto é mau”, disse o investigador, que também canta, à emissora pública regional NDR.
Richter está a tentar responder à questão dos aerossóis e se há diferença em falar baixo, falar alto, cantar, e até há diferentes entre italiano ou alemão, por exemplo. Em Julho deverá ter algumas respostas.
Alguns coros têm, entretanto, recomeçado com precauções diferentes. Em Lisboa, o Coro da Achada ensaia no Largo da Achada, ao ar livre, com distanciamento. Na África do Sul, o coro Ndlovu Youth Choir, que ganhou projecção com a participação no concurso televisivo dos Estados Unidos America’s Got Talent, cancelou a digressão mundial que estava prestes a fazer. Mas com uma série de cuidados, incluindo testes prévios a todos os membros do coro, recomeçaram a ensaiar para gravar mais material, e esperam lançar, a 16 de Julho, o tema We Will Rise para marcar a data de nascimento de Nelson Mandela.
Em Berlim, o Rundfunkchor, considerado o mais bem-sucedido da Alemanha (ganhou três Grammys em quatro anos, e os seus espectáculos incluem muitas vezes elementos de coerografia) apoia-se no estudo da Universidade Militar. “Não somos mais perigosos do que outros”, garantiu o tenor Holger Marks ao diário Tagesspiegel, e o coro quer mostrá-lo.
O novo funcionamento implica ter na sala um ar condicionado a renovar o ar mais rapidamente, com ar novo a chegar da parte de baixo do palco e a empurrar o ar velho para cima. Depois de tentar que se cantasse com máscara, o que não funcionou, e barreiras de plexiglas entre os cantores, que também não, concordou-se com uma distância de três metros entre cada elemento do grupo, e os grupos têm apenas dez (três sopranos, três contraltos, dois tenores, dois baixos). Ensaiam durante duas horas, com intervalo.
As novas regras fazem diferença no modo como se dirige e canta, comenta o director musical Gijs Leenaars: usam-se mais pistas visuais e menos auditivas. Peças mais lentas são mais fáceis, acrescenta.
Com tudo isto, Rundfunkchor Berlin espera ser um exemplo para profissionais e amadores. Na Alemanha, os coros são uma instituição: existem mais de 60 mil grupos corais amadores, juntando três milhões de pessoas. Quanto aos espectáculos ao vivo, nada é certo: ainda está a ser definido quando poderão recomeçar, e com quantas pessoas na assistência.