Ímpar
A escola que cabe num ecrã deixou muitas respostas incompletas
Reinventaram-se as aulas à distância, mas a educação precisa de afectos próximos. Perderam-se alunos e alguma matéria terá ficado pelo caminho entre os cerca de 850 mil alunos do ensino básico que experimentaram a transição para o digital à força da pandemia.
Se em Março o factor surpresa obrigou a encontrar soluções de recurso, o início do próximo ano lectivo terá de trazer outras respostas que garantam um acesso universal e inclusivo para todos, dizem vários professores ouvidos pelo PÚBLICO.
No meio da pandemia, o programa Estudo Em Casa, com conteúdos para os alunos do 1.º ao 9.º anos, fez com que a escola pudesse entrar dentro de casa de todos os portugueses através da televisão, lembra Paulo Almeida, director do Agrupamento de Escolas Fernando Casimiro Pereira, em Rio Maior.
"Mas é preciso voltar rapidamente à normalidade", lembra este professor de matemática chamado a dar aulas na televisão, que considera um "massacre" encher os alunos de aulas por videoconferência.
Quando começou a dar aulas em 1979, Helena Amaral foi colocada na então telescola, cujo programa era orientado pelas aulas transmitidas pela RTP. Nunca imaginou que, prestes a terminar a carreira, tivesse de voltar a socorrer-se do pequeno ecrã.
"Logo que as escolas foram fechadas, eu achei que o melhor era abrir aulas na televisão, porque acho que a televisão chega a todos", argumenta. Sem saber como será o próximo ano lectivo, esta professora primária elogia os professores que, quase sem tempo para se prepararem, se disponibilizaram para construir uma sala de aulas para as câmaras.
Mas, no próximo ano, estas aulas terão de ser repensadas. "Não há temas que vão crescendo. Há uma aula sobre um assunto. Acaba-se isso, passa-se à frente. E os pequenitos não aprendem assim. Aprendem quando nós estamos ali a moer", explica.
Helena passou as férias da Páscoa a experimentar as ferramentas que iria utilizar nas suas aulas à distância. Todos os dias faz uma videochamada com a turma do 4.º ano que acompanha na Escola Parque Silva Porto, em Lisboa, e todos os dias lhes envia um plano com fichas, questionários, jogos didácticos ou apresentações para eles prepararem. Para o ano irá começar um novo ciclo com uma turma de primeiro ano e este modelo não serve para os mais novos.
Na outra margem do Tejo, Alexandra Costa debate-se com o problema de tentar ensinar matemática do oitavo e nono anos através do Zoom, a plataforma de vídeochamadas que todos os professores passaram a conhecer nos últimos meses.
Há alunos que não estão a conseguir resolver os exercícios "mesmo com os vídeos explicativos que eu muitas vezes gravo, com os resumos, com as apresentações. Se já em aula, eles precisavam que estivesse constantemente a dar um empurrãozinho, agora eles não conseguem avançar."
Mas também há os alunos que se revelaram pela positivo durante o confinamento. Aqueles que já possuíam algumas competências, autonomia e capacidade de auto-regulação, "tornaram-se ainda mais autónomos" e "com maior capacidade de gerir as suas aprendizagens".
O ano lectivo termina esta sexta-feira, e ainda não se sabe como irão regressar as aulas em Setembro. Alexandra Costa acredita que terá de haver um plano para "agarrar os alunos que se perderam nestes meses".
Os que ficaram com matéria atrasada, os que não conseguiram ter um computador ou uma ligação à internet em casa, os que não têm no lar um ambiente propício para estudar, os que já estavam afastados da escola e que a pandemia atirou para ainda mais longe. "Nós perdemos esses alunos, muitos perdemos. E isto é inadmissível".
Fotografia de capa do vídeo de António Pedro Santos/Lusa.