A violência é e será sempre cruel e desumana
Se, por um lado, a informação séria estimula a reflexão colectiva e urgente sobre o tema da violência; por outro lado, a informação da cusquice, do voyeurismo e da especulação exerce uma espécie de autoria moral de futuros actos selváticos.
Perante a forma como foram sendo dadas as notícias sobre a morte da minha filha em alguns canais de comunicação, escrevi o texto que se segue como um grito sufocado pela dor. Por constatar que continua a haver uma tendência sensacionalista e especulativa em romantizar a violência, julgo ser ainda oportuno publicar o mesmo.
Se, por um lado, a informação séria e verdadeiramente profissional estimula a reflexão colectiva e urgente sobre o tema da violência; por outro lado, a informação da cusquice, do voyeurismo e da especulação, para maior sensacionalismo da crueldade, exerce uma espécie de autoria moral de futuros actos selváticos.
O serviço social de informar, a pretexto da liberdade de expressão a qualquer preço, passa a ser, ele próprio, um veículo perverso de disseminação da violência e do crime.
Julgo que ninguém de mente sã deseja estimular qualquer tipo de violência e, portanto, devemos parar e perguntar: O que andamos a fazer? Queremos ou não um mundo melhor?
Passei a ser mais uma mãe que perdeu uma filha. Como tantas outras mães, estou em sofrimento profundo, não durmo e nem sequer consigo chorar, porque a dor no peito entope as lágrimas que saem do coração. Tal e qual as outras mães órfãs de filhos, terei de aguentar e seguir em frente mesmo sem saber ainda como. Mas isto é um problema que terei de ser eu a resolver em família.
Falo agora como cidadã. Pretendo apenas questionar qual a importância do tipo de relação entre dois jovens (Rúben e Beatriz) na reflexão sobre o que aconteceu.
Quem conheceu a Beatriz percebe com toda a naturalidade a disponibilidade incondicional que ela geralmente tinha para os amigos. Sobretudo quando um deles ou uma delas estivesse em aflição ou em sofrimento.
Bastaria o Rúben dizer que ainda não se sentia bem depois de ter ido ao hospital, bastaria o Rúben dizer que tinha discutido com os pais e que precisava de falar, bastaria o Rúben dizer que perdera as chaves do carro, de casa ou o último comboio, bastaria fosse o que fosse. A Beatriz abriria a porta para o acolher, resolver o problema ou reconfortá-lo como sempre fez a tantos outros amigos e amigas em quem ela confiava.
Sei que, no mundo em que vivemos, o comportamento da Beatriz não é o mais comum, mas a verdade é que não faltam testemunhos de pessoas para quem a Beatriz foi confidente.
Naturalmente, a Beatriz não era perfeita, mas sei também que, para quem a conheceu, os valores de lealdade, dignidade e generosidade nunca estariam em causa. Estas pessoas conseguem admitir também o cuidado e delicadeza que a Beatriz teria caso tivesse de negar algo sério a alguém com esperança de mitigar a mágoa.
Mas, independentemente de se acreditar ou não no perfil doce da Beatriz, o que interessa para o que está em causa?
Admitindo que a Beatriz pertencia a um grupo de risco, que vivia num ambiente de degradação social e de delinquência, ou até mesmo que a Beatriz fosse uma “mulher da vida”. Teria o acto de Rúben alguma justificação? Mereceria ser compreendido? Seria até aceite como inevitável? Não haveria consternação pela vítima?
No meu juízo cívico, a única diferença entre a Beatriz Lebre e outra Beatriz estaria na probabilidade de acontecer o que aconteceu pela exposição ao risco do mais macabro da condição humana.
Por isso pergunto: qual a importância do tipo de relação que havia entre o Rúben e a Beatriz?
A violência está no ser humano que a pratica e não nas relações de amizade, amorosas, conjugais ou mesmo na falta de relações.
A violência é e será sempre cruel e desumana. Em qualquer condição, em qualquer contexto, em qualquer fase da vida.
A violência do que aconteceu com a Beatriz representa a mais absoluta desumanização da vida.
É preciso humanizar a Humanidade.