Autor de projecto de requalificação do Bolhão no Porto desafia Moreira para debate
Joaquim Massena, que em 1992 ganhou um concurso internacional para reabilitar o mercado, diz “não temer os insultos ou frases marotas daqueles que julgam mandar ou ter o poder discricionário”.
O arquitecto Joaquim Massena, autor de um projecto de requalificação do Mercado do Bolhão, no Porto, desafiou esta quarta-feira o presidente da câmara para um “frente-a-frente”, defendendo que o independente deve promover o diálogo em vez do “insulto”.
No dia em que se assinalam 24 anos sobre a escritura pública do seu projecto de execução para reabilitação do mercado, cujo concurso público venceu, o arquitecto partilha uma reflexão onde deixa claro “não temer os insultos ou frases marotas, daqueles que julgam mandar ou ter o poder discricionário, quer seja ele político, artístico, financeiro, partidário ou dito independente”.
Joaquim Massena venceu, em 1992, o concurso público internacional de reabilitação para o mercado do Porto, o qual contemplava uma modernização do espaço, alargando a sua vocação inicial a outras actividades.
A assinatura do contrato entre a câmara e o arquitecto foi feita em 1996, altura em que se previa que os projectos de arquitectura e engenharia da obra de reabilitação do Bolhão, orçada então em 9,98 milhões de euros, estivessem concluídos no final de 1997 e a avançar no terreno no mandato seguinte.
O projecto de execução foi aprovado por todos os organismos de tutela, em 1998, estando pronto a ser executado, o que não se concretizou, estando o caso agora em tribunal.
O vídeo da discórdia
Na missiva a que a Lusa teve acesso, Joaquim Massena acusa a autarquia de utilizar a promoção pública, em vez da discussão pública, “para insistir no equívoco de diagnóstico” e “numa terminologia errada” sobre a operação no património, “continuando com insinuações desprezíveis num Estado de direito”, como diz ser exemplo um recente vídeo promocional das obras de construção no Mercado do Bolhão, publicado pela Câmara do Porto.
Questionada pela Lusa, a Câmara do Porto referiu que sobre este tema “indica-se apenas que o senhor arquitecto Joaquim Massena concorreu em 2013 e perdeu”. A Câmara do Porto divulgou no dia 6 de Junho na sua página oficial um vídeo sobre as obras de restauro do Mercado do Bolhão, cuja reabilitação está a cargo do arquitecto Nuno Valentim.
No texto que acompanha o vídeo, o município salienta que “das galerias, que estão a ser cuidadosamente recuperadas e que terão, no final, o seu aspecto original, ao túnel que está a ser construído para facilitar o acesso à cave logística, ou ao pormenor das peças de arte que tinham sido retiradas e estão agora a ser recuperadas e repostas, tudo está a ser tratado como se de um trabalho de relojoaria se tratasse”, pelo que, no final desta obra, o mercado será “muito mais semelhante ao que foi inaugurado há 100 anos, do que aquele que, nas últimas décadas, já degradado, se conhecia.
Intervenção “dura” e “destruidora”, acusa Massena
Massena considera, contudo, que em causa está uma intervenção “dura” e “destruidora de um dos ícones da cidade do Porto” e insiste numa discussão pública e democrática, considerando este exercício fundamental, nomeadamente quando “a Assembleia da República Portuguesa imanou um Projecto de Resolução, após o documento subscrito pelos 50 mil peticionários, que proíbe a demolição do edificado e refere que os mercadores deverão ser parceiros”.
O arquitecto recorda que no âmbito do projecto de requalificação em curso, os vendedores foram retirados, parando o comércio tradicional há mais de dois anos, facto a que acresce “o triste episódio de fecho do Mercado do Bolhão, com a presença do Senhor Presidente da República”.
Para Massena, o projecto em curso não só altera o desígnio do mercado como paulatinamente o destrói, “primeiramente com o desvio do braço do “Rio de Vila”, depois com as “barracas”, mais tarde desventradas, com profundas escavações”, e “agora, a destruição das lajes de betão armado, um dos primeiros e mais expressivos exemplos na pré-fabricação do betão armado em Portugal”.
“Graves são, também, os facilitismos das palavras e da presunção que é assumida durante a amostragem em vídeo que não se reveste de uma missão esclarecedora e pedagógica antes, mascara atitudes e significados que são preocupantes no contexto da democratização que o património deve e deverá enquadrar no uso e na sua simbologia de intervenção”, afirma. Para o arquitecto, há ainda “um nítido apagão” das entidades que têm a seu cargo o dever de usar e preservar.
Massena considera também que há um erro de diagnóstico e que, por isso, “as opções programáticas são devastadoras do mercado original, constituindo um crime em face do espírito e articulado da Lei do Património vigente”, com “custos desnecessários e lesivos” da economia local e nacional.
“Por isso, a importância do conhecimento e da verdade, das opções políticas e dos limites das operações no património, exige das partes um cabal esclarecimento agora somente possível, olhos nos olhos, com um frente a frente que há muito sugiro, mediado pelo jornalismo democrático que, felizmente, ainda existe neste Portugal Livre”, salienta o arquitecto, defendendo que “quando se diz ser independente e democrático temos, o dever de estabelecer em diálogo, promovendo o contraditório em vez do insulto ou sugerir a erradicação”
A alteração do método construtivo do projecto de requalificação do Mercado do Bolhão, anunciada em Dezembro de 2019, pela autarquia, foi aprovada em 27 de Março, pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e implica “o desmonte de alguns elementos metálicos (colunas, varandas e consolas da cobertura) e a demolição de três, das quatro, lajes existentes de betão das galerias superiores do mercado”.