A digitalização não resolve os problemas de Setembro
Não deixa de ser surpreendente ter sido o ministro da Economia a falar pela primeira vez da Escola Digital. Continuamos sem ministro da Educação.
Soubemos por estes dias que o Governo tem intenção de injetar 400 milhões para a Universalização da Escola Digital. No documento, o Plano de Estabilização Económica e Social, particulariza-se assim (ponto 1.2) a medida: “Universalização do acesso e utilização de recursos didáticos e educativos digitais por todos os alunos e docentes. Numa primeira fase prevê-se: Ao nível infraestrutural, adquirir computadores, conectividade e licenças de software para as escolas públicas, dando prioridade aos alunos abrangidos por apoios no âmbito da ação social escolar; desenvolver um programa de capacitação digital dos docentes; incrementar a desmaterialização de manuais escolares e a produção de novos recursos digitais.”
Antes de dedicar algumas linhas à análise do ponto em si, quero referir que não deixa de ser surpreendente ter sido o ministro da Economia a falar pela primeira vez da Escola Digital. Continuamos sem ministro da Educação. Apenas o secretário de Estado João Costa, que tem assumido a “liderança”, tem dado algumas ideias, vagas, de como poderá ser o início do próximo ano letivo. Assumindo, inclusive, que o 3.º período foi um remendo e não uma solução de futuro. Em síntese, continuamos sem grandes planos, pelo menos visíveis, para o próximo ano letivo, mas já temos um número, 400 milhões.
Pela descrição que é feita no documento, o processo será desenvolvido por fases. Mas não havendo ainda calendarização, como seria necessário, fica tudo muito vago. Sabemos que todos terão um computador, sejam professores, sejam alunos, sabemos que serão distribuídas licenças digitais em substituição dos manuais escolares e sabemos que os docentes terão formações específicas. Mas não sabemos quando é que arranca esta “revolução”, rumo à Escola Digital.
Entretanto, parece-me que é preciso atentar a algumas questões.
Serão poucos os que não concordarão com a necessidade de dar este passo tecnológico. Mas arrisco-me a dizer que os mesmos consideram que, já para setembro, seria preferível outro tipo de medidas e, sobretudo, não tratando todos os ciclos por igual. Vejamos: o pré-escolar abriu a 1 de junho, mas só frequentam, segundo dados da Fenprof, 30% dos alunos. Como pretendem fazer em setembro, quando regressarem todos? Um computador para cada um?
No 1.º ciclo, onde a autonomia das crianças é reduzida, um computador para cada um também me parece uma solução necessária, mas curta. Nesse ciclo, sobretudo nos 1.º e 2.º, mas também nos 3.º e 4.º anos, são essenciais as aulas presenciais, ficando o ensino remoto apenas como complementar. Ora isso só se conseguiria se:
- Reduzissem as turmas a, pelo menos, metade do estipulado no pré-covid-19;
- Aumentassem proporcionalmente o número de professores;
- Criassem turnos duplos (manhã/tarde) em todas as escolas;
- Complementassem o presencial com o ensino remoto em turnos semanais.
Os outros ciclos, dos quais desconheço as dinâmicas aprofundadamente, teriam de ajustar processos à sua realidade.
Não me parece correto olhar-se para o todo e achar-se que, como que por magia, um computador resolverá o problema.
Cada ciclo tem as suas especificidades e por isso a revolução tecnológica deverá acontecer, como aliás escrevi aqui, e devemos aproveitar esta oportunidade, uma vez que conseguimos recolher dados nesta experiência, para a fazer. Mas devemos ser mais minuciosos na planificação.
Concluindo, Escola Digital é importante e deve acontecer, como tive oportunidade de sugerir aqui.
Sendo necessário evitar abusos, poderia o Ministério da Educação reforçar o orçamento às escolas públicas para que possam adquirir equipamentos para emprestar aos alunos.
No mesmo sentido, para os professores, a aquisição gratuita de equipamentos tecnológicos (sem esquecer as licenças dos Recursos Educativos Digitais) para desenvolverem o ensino remoto a partir da casa.
Aguardemos por tomadas de decisão.