O presente inesperado do confinamento: tempo para as crianças dormirem, pensarem e serem
Enquanto acompanhamos a pandemia de covid-19 e as medidas para o desconfinamento, pergunto-me se seremos capazes de abdicar de uma coisa que encontrámos em abundância durante esta quarentena: o tempo.
Quando as minhas filhas saíram da escola no início de Março para as férias da Primavera, foi-lhes dito para se prepararem para o que poderia ser uma aprendizagem remota quando a escola fosse retomada. Foi exactamente isso que aconteceu, claro, e somada à ordem de confinamento, a nossa família viu-se toda em casa e com muito menos razões para olhar para um relógio ou para um lembrete de calendário.
Agora, quando penso no Outono vindouro e nos passos que as escolas e as empresas estão a dar para retomar as nossas actividades em segurança, enquanto acompanhamos a pandemia de covid-19, pergunto-me se seremos capazes de abdicar de uma coisa que encontrámos em abundância durante esta quarentena: o tempo. Tempo para as minhas filhas dormirem, ficarem aborrecidas, darem passeios, improvisarem artesanato e sentarem-se aos pés da minha cama e conversarem.
De todos os aspectos positivos que este abrigo forçado e esta educação à distância tem oferecido, a plenitude do tempo foi para mim o mais significativo — talvez porque tivesse um controlo tão limitado sobre ele antes de as coisas abrandarem. Não determino a que horas começa o dia escolar, a quantidade de trabalhos de casa que ocupam as noites dos nossos filhos e, em grande medida, os horários e as exigências das nossas duas raparigas em relação às actividades pós-escolares — ainda que as limitemos a apenas algumas actividades.
O que seria necessário, quando as restrições pandémicas se atenuarem, para poder manter as preciosas horas extraordinárias que expandiram os nossos dias — e as perspectivas das minhas filhas — como o ar alimenta a chama de uma vela? O mesmo tempo que lhes tem permitido vaguear livremente e, sim, por vezes sem rumo?
Compreendo que muitos pais possam pensar de forma muito diferente. Os pais de crianças pequenas podem estar ansiosos por as colocar de novo numa sala de aula física estruturada, o que beneficia o desenvolvimento das crianças e também permite que os adultos regressem ao trabalho sem interrupções. Os pais dos mais velhos podem estar a lidar com decepções maiores, incluindo interrupções nos planos para a faculdade, mestrados, estágios, trabalho ou amor.
As minhas filhas têm 15 e 11 anos. Talvez seja esse o ponto ideal quando se trata da adaptação à quarentena: têm idade suficiente para lidar com a aprendizagem à distância de forma independente, mas são jovens o suficiente para ainda encontrarem um sentimento de realização sob o nosso tecto. E nem eu nem o meu marido somos trabalhadores essenciais, uma situação que nos dá flexibilidade em casa, bem como algum alívio, ao não termos de lidar com a ansiedade e a preocupação reconhecidas em algumas crianças cujos pais enfrentam uma potencial exposição diária ao vírus.
Tempo para... dormir
De onde vieram estas horas extraordinárias? Não há deslocações à escola e não há trabalhos de casa depois das oito da noite. As actividades extracurriculares foram canceladas ou tornaram-se opcionais. E as crianças têm alguma flexibilidade quando completam as tarefas escolares diárias, permitindo-lhes uma caminhada, uma conversa ou vaguear pelo Instagram. Mas a maior vantagem da combinação de aulas síncronas e assíncronas vem das horas extra de sono que a minha adolescente e pré-adolescente ganharam pela manhã. Mesmo quando uma aula síncrona começa às oito da manhã em ponto, é possível dormir até às 7h55 — e ainda assim chegar a horas. Dormir é precisamente o que os médicos, na forma da Academia Americana de Pediatria, recomendam há anos. Contribui para aquilo a que eu chamaria um limar das arestas das minhas filhas. E elas estão menos cansadas, menos rabugentas, menos apressadas e menos ansiosas para que tudo seja feito.
Elas têm tempo suficiente.
Fiquei comovida com as simples mudanças no comportamento das minhas filhas com este presente em forma de tempo, especialmente na de 15 anos, que ficou presa dentro da panela de pressão da escola secundária. O primeiro sinal da sua abordagem mais lúdica ao ver o mundo chegou em Março, quando colocou uma passa de uva num copo de água e disse que queria vê-la expandir-se. Pensei que estava a brincar, mas só uma semana depois, quando a água estava castanha e a passa estava gorda, a convenci finalmente de que podíamos acabar com a “experiência”.
Mais recentemente, num passeio pela vizinhança depois de almoço, ela parou por causa de um bicho verde a flutuar de uma árvore, pendurado e a girar sobre um fio invisível da sua própria autoria. “Vamos tirar uma fotografia”, disse, tirando-me o telefone da mão. Não era para uma selfie nem para publicar nas redes sociais. A fotografia não tinha outro propósito senão capturar um verme acrobático, mostrando um tipo de truque de magia natural.
Estes momentos acontecem em alturas e lugares inesperados. Como no chão da sala, enquanto montava uma caixa de madeira para a sua nova colecção de discos, e me perguntou o que eu pensava que ela poderia fazer quando crescesse. Na cozinha, questionou se o tempo poderia andar para trás, como a contagem decrescente do microondas, enquanto aquecia o seu macarrão com queijo. E estas observações borbulham em conversas aos pés da minha cama, à noite, quando, em vez de ficar presa à secretária a fazer os trabalhos de casa a horas tardias, conversa comigo sobre o que está a acontecer nas redes sociais, explica a gíria que não conheço. Ou fala de política, da pandemia, dos protestos e de racismo.
Andará a terminar as tarefas previstas em vésperas de regresso às aulas? Não faço a menor ideia. Mas creio que cresceu mais nos últimos meses do que nos seis meses anteriores.
Conheço outros pais que observaram mudanças semelhantes nos seus filhos, especialmente aqueles que são mais introvertidos ou tipicamente ansiosos. Mas perguntei-me o que fazer com as minhas observações. O país está a braços com problemas maiores relacionados não só com a pandemia, mas também com o emprego, a fome e a equidade. Mas como é que posso observar o envolvimento alargado dos meus filhos com o mundo e depois voltar ao antigo calendário? Sei agora o que se vai perder e que a ciência e a pedagogia apoiam o benefício de um estudante bem descansado, menos ansioso e mais intrinsecamente motivado.
Nicole Furlonge, directora do Centro Klingenstein do Teachers College da Universidade de Columbia, disse que dar a alguns estudantes mais tempo e espaço e capacidade de tomar decisões sobre o seu dia pode diminuir o stress, cultivar a curiosidade e dar-lhes o poder sobre a aprendizagem. “Não são trabalhos de casa ou escolares — tudo é aprendizagem, incluindo o que se encontra por conta própria.”
Como as escolas a utilizarem o Verão para se prepararem para uma variedade de cenários no Outono, é razoável que queiram aprender com os pais sobre o que estes observaram durante este momento de aprendizagem à distância.
A aprendizagem é mais do que a escola
“Se é verdade que o seu filho está a demonstrar um sentido de curiosidade diferente, menos stress, mais descansado, mais disposto a inclinar-se para as dificuldades, isso é um facto que tem de ser levado em consideração”, constatou.
Jacob Towery, um psiquiatra especializado em adolescentes e adultos em Palo Alto, Califórnia, e membro-adjunto da Universidade de Stanford, disse que tem visto mais depressão e ansiedade entre os seus clientes nos últimos meses. Eles sentem falta de interacções presenciais, uma necessidade natural de todos os primatas, disse Towery, autor de The Anti-Depressant Book: Um Guia Prático para Adolescentes e Jovens Adultos Superarem a Depressão e Permanecerem Saudáveis.
Mas o tempo extra que os adolescentes podem ter agora pode oferecer espaço para hábitos mais saudáveis, como hobbies, exercício, meditação, ligação virtual com amigos e sono regular. Afinal, a privação do sono pode exacerbar a depressão e a ansiedade e afectar negativamente o sistema imunitário. Com base na biologia das necessidades de sono de um adolescente e no ritmo circadiano, as aulas deveriam começar às nove ou dez da manhã, defendeu o psiquiatra.
Ao falar com Furlonge sobre o meu receio de que o regresso ao normal, mesmo um novo normal, nos leve outra vez a viver num ritmo apressado, com pouco tempo e com os velhos padrões de negócios, a directora do Centro Klingenstein sugeriu que os pais considerassem a aprendizagem como mais ampla do que a escola. “Qual é a aprendizagem que valoriza como família?”, perguntou ela.
Como em tantas outras situações na parentalidade, percebi que não se trata apenas do uso do tempo dos meus filhos, trata-se também do meu. Estou a dormir mais, a olhar pela janela e a ouvir os pássaros, a questionar o status quo — ou a minha memória onírica do que este já foi. Este ritmo alterado deu-me a capacidade de ser a caixa-de-ressonância, ou por vezes a testemunha, de todos estes momentos de curiosidade nos meus filhos.
Não quero abdicar destas horas extra que tenho nestes dias. Mas agarrar-me a elas parece uma fantasia. Porém, a realidade já não tem as mesmas linhas claras que tinha noutros tempos. Talvez os nossos filhos, e nós, pais, possamos encontrar neste caos, alguma oportunidade para redefinir o que é mais importante.