Os números, a política e a interdição da Grécia aos Portugueses
O governo Grego tem razão em proibir a entrada de turistas de Portugal. Ponto. Não só se suportou num documento elaborado por todos os Estados-membros da União Europeia, como esse documento tem suporte em critérios científicos.
A indignação é geral. Como é que o governo Grego se atreve a proibir a entrada de turistas de Portugal, um país que se tem saído tão bem na gestão da pandemia? A eurodeputada Isabel Santos, de imediato, questiona a Comissão Europeia. O governo Português segue e também questiona, mas, desta vez, diretamente o seu contraparte Grego. E até eu próprio, que viajo usualmente para a Grécia, questiono aos meus amigos: como é possível?
A razão é simples. As autoridades Gregas tomaram como fundamento para a sua decisão a lista da EASA, a agência europeia para a segurança na aviação. Esta lista, elaborada em 25 de maio e com efeitos desde 27 de maio, indica os aeroportos de Lisboa e Porto como localizados em áreas de alto risco de transmissão da doença covid-19. Segundo a EASA, todos os Estados-membros participaram na elaboração deste inventário, suportando-se em “… informação da Organização Mundial da Saúde, do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, e outros reputados institutos de saúde pública…”, cito. A frase, algo vaga, deixa de o ser quando no documento são apresentados nove critérios quantitativos que presidiram à sua avaliação. Em suma, a lista não é um exercício subjetivo, mas um trabalho científico com validação empírica quantitativa.
Da indignação passo à razão. O governo Grego tem razão. Ponto. Não só se suportou num documento elaborado por todos os Estados-membros da União Europeia, como esse documento tem suporte em critérios quantitativos, em números. Claro que eu também não gosto de ver Portugal excluído da safe list grega, mas, como académico que investigo processos de decisão política e empresarial, faço bom reparo no primado da decisão política baseada em ciência, em números.
No mundo atual de informação instantânea e pós-verdades, a decisão política assente em factualidade científica já não é comum. Não porque assim o deveria ser. Não o é, porque a ação política é uma manifestação de autoridade. Como bem definiu Carl Schmitt, a decisão política rompe com as hesitações do saber, não tem de afirmar uma verdade e, em última instância, não se fundamenta na razão. Faço esta síntese nas minhas aulas de estratégia empresarial em ambiente político. Os técnicos decidem sobre base empírica, os políticos têm a legitimidade para o não fazer.
Compreendo, por tal, a atitude política da nossa deputada e do nosso governo em questionar os gregos. Mas a situação de pandemia em que vivemos é mais do que um problema clínico com reação política. É um problema de saúde pública. E saúde pública não se faz com manifestações de autoridade. Faz-se com números, muita estatística e imenso estudo. A Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação, a Organização Mundial da Saúde, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças e, como cita o documento, outras reputadas entidades de saúde pública, não podem todas elas estar erradas. Antes de questionar os outros, questionemo-nos a nós próprios. Será que estamos assim tão bem no combate à pandemia?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico