Dois mortos, milhares nas ruas. Protestos nos EUA continuam
Ida de Donald Trump a uma igreja em Washington para tirar fotografias, com a polícia a abrir caminho entre os manifestantes com gás lacrimogéneo, foi criticada por líderes religiosos: “Precisamos de um Presidente que possa unificar e curar. Ele tem feito o oposto.”
Dezenas de milhares de pessoas voltaram a sair às ruas em diversas cidades norte-americanas para protestar contra a violência policial e o racismo, apesar da imposição do recolher obrigatório, das repetidas ameaças do Presidente Donald Trump de enviar o Exército para as ruas, e das palavras do irmão de George Floyd, que apelou ao fim da violência.
Desde a morte de George Floyd, os protestos alastraram-se a pelo menos 140 cidades e causaram a morte de pelo menos sete pessoas, duas delas na noite desta segunda-feira, em Chicago, apesar de o número total de mortos não ser exacto. Há ainda milhares de manifestantes e cinco polícias feridos por tiros e pelo menos seis mil detidos.
Depois de, na segunda-feira, ter responsabilizado os governadores pela violência dos últimos dias, Donald Trump retomou a ameaça feita logo no início dos protestos, na semana passada, de enviar o Exército para “resolver o problema rapidamente”, se os governadores não tomarem medidas mais duras para travar a onda de violência. De seguida, o Presidente norte-americano deslocou-se à igreja episcopal de St. Johns, em Washington, onde posou com uma Bíblia na mão. Antes, contudo, a Guarda Nacional utilizou gás lacrimogéneo para abrir caminho para Trump, enquanto decorria um protesto pacífico num parque da cidade.
A ida de Trump à igreja de St. Johns não foi bem recebida pelos líderes religiosos, que viram o acto do Presidente norte-americano como uma tentativa de instrumentalizar a religião enquanto, nas ruas, manifestantes pacíficos eram gaseados pela polícia.
Tear gassing and rubber bullets to clear the White House protests half an hour before curfew. #protests2020 #blacklivesmatter #JusticeForGeorgeFloyd #dcprotests pic.twitter.com/3I2AxGphFY
— Michael Galant (@michael_galant) June 1, 2020
“Deixem-me ser clara: o Presidente utilizou uma Bíblia, o texto mais sagrado da tradição judaico-cristã, e uma das igrejas da minha diocese, sem permissão, como pano de fundo para uma mensagem oposta aos ensinamentos de Jesus”, disse Mariann Budde, bispo da diocese episcopal de Washington, à CNN.
“Ele nem sequer rezou. Não mencionou George Floyd, não teve qualquer palavra para a agonia das pessoas que são alvo desta horrível expressão de racismo e supremacia branca há centenas de anos. Precisamos de um Presidente que possa unificar e curar. Ele tem feito o oposto”, disse ainda Mariann E. Budde, citada pelo New York Times.
Já Michael Curry, líder da Igreja Episcopal, acusou Trump de utilizar a Bíblia e a igreja para fins políticos. “Por George Floyd, por todos aqueles que sofreram injustamente e pelo bem de todos nós, precisamos de líderes que nos ajudem a ser uma nação, sob Deus, com liberdade e justiça para todos”, disse o líder afro-americano, citado pelo jornal The Guardian.
As críticas a Donald Trump chegaram também de Joe Biden, presumível candidato nomeado pelo Partido Democrata para as eleições presidenciais, que acusou Trump de utilizar violência para posar para uma fotografia. “Ele está a usar o Exército americano contra o povo americano. Ele gaseou manifestantes pacíficos e disparou balas de borracha. Por causa de uma foto. Pelas nossas crianças, pela própria alma do nosso país, precisamos de o derrotar. Mas falo a sério quando digo isto: só o conseguiremos fazer juntos”, escreveu Biden no Twitter.
He's using the American military against the American people.
— Joe Biden (@JoeBiden) June 2, 2020
He tear-gassed peaceful protesters and fired rubber bullets.
For a photo.
For our children, for the very soul of our country, we must defeat him. But I mean it when I say this: we can only do it together. https://t.co/G1yE67q9Nz
Violência
Durante a noite, e depois de ter sido conhecido o resultado de uma segunda autópsia a George Floyd, que indica que o afro-americano foi morto por estrangulamento, milhares de pessoas saíram às ruas, de Nova Iorque a Washington, de Filadélfia a Los Angeles, quebrando o recolher obrigatório imposto pelos governadores destas cidades.
A violência dos protestos parece ter diminuído em várias cidades norte-americanas, nomeadamente Mineápolis, mas não foi assim em todo o lado. Em St. Louis, no Missouri, quatro polícias foram baleados. Foram levados para o hospital, mas não correm risco de vida. Em Buffalo, Nova Iorque, dois polícias foram atropelados por uma carrinha enquanto dispersavam um grupo de manifestantes. Em Las Vagas, um polícia foi baleado, mas ainda não se sabe com que gravidade. Em Chicago, há registo de pelo menos duas mortes.
—-> pic.twitter.com/lseMGUYzux
— Zolan Kanno-Youngs (@KannoYoungs) June 2, 2020
Just happened: a protest in a car run over a group of cops in Buffalo NY...Some of them might be dead
— Yousef NH (@YousefNH2) June 2, 2020
#BlackLivesMatter #protests2020 pic.twitter.com/UraxbRhMuV
Em Washington, helicópteros militares sobrevoaram a cidade e foi utilizado gás pimenta para dispersar manifestantes, enquanto em Oakland a polícia utilizou gás lacrimogéneo para dispersar cerca de 600 manifestantes. Situação semelhante aconteceu em Filadélfia, onde a polícia disparou gás lacrimogéneo contra manifestantes.
Em Mineápolis, onde George Floyd viveu e foi assassinado, milhares de pessoas juntaram-se pacificamente para prestar homenagem ao afro-americano assassinado pela polícia. Terrence Floyd, irmão de George, deslocou-se ao local onde o irmão morreu e discursou perante os manifestantes, apelando ao fim da violência e a outras medidas de luta contra o racismo. “Eduquem-se. Não deixem que vos digam quem é quem. Eduquem-se e informem-se sobre quem devem votar. É assim que podemos ajudar. Somos muitos. Vamos mudar e fazer as coisas de forma pacífica”, afirmou Terrence Floyd.
Protestos instrumentalizados por brancos
No centro dos protestos está o combate ao racismo e à violência policial, com brancos e negros juntos na condenação da violência. Contudo, nos últimos dias, os protestos foram apropriados pelos mais diversos grupos, que têm aproveitado a dimensão dos mesmos para espalhar o caos.
Um dos exemplos é o de Brian Jordan Bartels, de 20 anos, natural de Allison Park, na Pensilvânia, acusado de ter iniciado a escalada de protestos em Pittsburgh durante o fim-de-semana. Nas imagens divulgadas nas redes sociais, Bartels, que usa um lenço com o símbolo da Frente de Libertação Animal, vandaliza carros da polícia, enquanto manifestantes afro-americanos pedem-lhe que pare. A polícia emitiu um mandado de detenção para Bartels, que se entregou às autoridades na segunda-feira, e, na casa do suspeito, foram encontradas latas de spray e armas de fogo, segundo o The Washington Post.
#BREAKING NEWS: Pittsburgh Police say 20 year old Brian Bartels is the man who incited riots in downtown #Pittsburgh yesterday. This is video taken of him destroying a police cruiser. An arrest warrant has been issued. https://t.co/AFYsrV2vsD
— Tim Williams (@realtimwilliams) June 1, 2020
*WARNING* Explicit Language pic.twitter.com/CNmoVHx7Fn
Este caso não é único. Depois de reverem as imagens de videovigilância dos protestos do fim-de-semana, as autoridades de Seattle, no estado de Washington, notaram que muitos dos actos de vandalismo foram causados por jovens brancos. “É impressionante a quantidade de jovens brancos que pilharam, roubaram e incendiaram durante o fim-de-semana”, disse Jenny Durkan, mayor de Seattle, temendo que a comunidade afro-americana seja culpabilizada pela destruição que tem sido causada.
Para além disso, são cada vez mais os relatos que dão conta da infiltração da extrema-direita nos protestos. O governador do Minnesota, Tim Waltz, sugeriu que supremacistas brancos estão a “infiltrar-se nos legítimos protestos sobre a morte de George Floyd”. Grupos como o movimento boogaloo, de extrema-direita, que defende uma insurreição armada contra o Estado federal, estão a tentar recrutar manifestantes para a sua luta armada.
A CNN relata ainda que supremacistas brancos estão a fazer-se passar por antifascistas, para incentivar a violência nas ruas, Donald Trump quer classificar como terroristas os grupos antifascistas (antifa).