Graça Fonseca: “Provavelmente, a maior parte desta programação cultural deste ano até não terá preço”

Ministra da Cultura falava sobre reabertura de salas de espectáculos à margem da apresentação da empreitada de recuperação do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra.

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“Provavelmente, a maior parte desta programação cultural deste ano até não terá preço.” A afirmação é da ministra da Cultura, Graça Fonseca, depois de questionada pelos jornalistas sobre se a necessidade de reduzir lotações, prevista nas regras do Governo para o desconfinamento das salas de espectáculos e para os eventos ao ar livre, poderá obrigar a um aumento do preço dos bilhetes, e, consequentemente, a mais limitações no acesso à cultura.

Após afirmar que a responsabilidade do Ministério da Cultura (MC) não é fixar preços, Graça Fonseca sublinhou a necessidade de voltar a haver programação cultural a partir de 1 de Junho, a data prevista para a reabertura de salas de espectáculos, auditórios e cinemas.

Uma reabertura que, de acordo com a previsão da ministra, se poderá fazer maioritariamente sem preço associado. “Todos percebemos que é importante devolver [a programação cultural]”, às pessoas, mas também “contribuir para que os artistas, nesta fase tão difícil, possam voltar a fazer aquilo que sabem fazer bem, que é estar junto do seu público”. Isso significa que os espectáculos serão gratuitos? “É uma pergunta que tem de fazer aos promotores e não a mim”, respondeu Graça Fonseca, que falava aos jornalistas à margem da apresentação da empreitada de recuperação do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra. E, sobre esta questão, mais não explicou.

Para que os espectáculos possam regressar aos palcos, seja em salas ou ao ar livre, “é preciso que as pessoas tenham confiança”, sublinhou a responsável, que entende que, ao mesmo tempo, “as regras [de segurança] têm de ser suficientemente flexíveis e adaptáveis não só para permitir que a programação cultura consiga acontecer”, mas também para que “existam condições de sustentabilidade, desde logo financeira, para as entidades que querem programar e fazer programação cultural”.

"Vem aí o cheque-cultura?”

Dando seguimento à sugestão da ministra, o PÚBLICO questionou Álvaro Covões, promotor de espectáculos e membro da direcção da Associação de Promotores de Espectáculos, Festivais e Eventos (APEFE), sobre este repto. A resposta vem em forma de pergunta: “Não me diga que vem aí o cheque-cultura?”. O raciocínio é claro: se os promotores vivem da bilheteira e se a maioria dos espectáculos “não terá preço" para os espectadores, então é porque alguém os vai pagar. “Enquanto promotor de espectáculos, fico contente por saber que o Governo atribuiu uma bolsa de cultura aos portugueses”, diz, acrescentando que essa era uma das medidas propostas pela APEFE para a retoma do sector. De outra forma, não vê como poderão acontecer espectáculos sem bilhetes pagos.

Para a indústria, neste momento, a “luz ao fundo do túnel” é a reabertura anunciada para 1 de Junho, acrescenta Álvaro Covões, embora entenda que o prazo para a implementação de medidas é curto. “Não tenho dúvida de que muito poucas salas vão abrir ao público”, diz o responsável pela promotora Everything is New, responsável, entre outros eventos, pelo festival Nos Alive. Os espectáculos precisam de preparação, promoção, implementação das regras e colocação em cena, descreve, receando que a curta margem de antecedência com que as regras de segurança foram anunciadas – a menos de uma semana do projectado desconfinamento dos equipamentos – não o permita.

Álvaro Covões lamenta também que os agentes do sector não tenham recebido ainda a título oficial o conjunto de normas de higiene e segurança que estarão obrigados a cumprir para abrir portas no início da próxima semana, e que na terça-feira chegaram à comunicação social. “Representamos a larga maioria dos promotores de espectáculos em Portugal e os nossos associados estão desejosos por saber as regras”, afirma.

E a APEFE não é a única associação a duvidar que estejam reunidas as condições para a reabertura. A Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas veio já reclamar a abertura de uma linha de financiamento especial para que as diversas entidades possam cumprir as regras estabelecidas. Sem esse mecanismo, avisa a Plateia na sua página de Facebook, a situação financeira das estruturas ficará comprometida, atendendo aos custos extraordinários a que terão de fazer face. A associação considera que outras questões estão ainda sem resposta, como as medidas de protecção para trabalhadores de grupos de risco ou a interacção entre intérpretes e público. “Em muitos casos, as regras de limitação de audiências tornam financeiramente e, por vezes, fisicamente inviável qualquer apresentação, sendo ainda previsível a dificuldade de captação de público em contexto de pandemia”, sustenta a Plateia.

Para o Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE), “a forma como os artistas e os trabalhadores não são considerados” na regra do uso da máscara de protecção, que não está prevista quando estão em cena, é fonte de grande preocupação, referiu à Lusa o dirigente sindical Rui Galveias. “Algumas estruturas vão ter de adiar aberturas” e “decidir se de facto conseguem implementar as actividades ou não”, afirma o sindicalista.

Apesar das várias queixas que têm surgido nos últimos dias, com várias entidades a lamentarem o facto de não terem sido consultadas pela tutela ao longo do processo, Graça Fonseca garantiu em Coimbra que a definição das novas regras de segurança foi feita em diálogo com as associações do sector (entre as quais a Performart, a Rede, a Plateia e o Cena-STE, exemplificou), mas também com as comunidades intermunicipais e com as autarquias. Assegurou também que as entidades envolvidas neste processo – e que serão cerca de 20 – receberiam o guia definido pelo MC para a reabertura por email ainda esta quarta-feira.

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