Hannah Gadsby: o que é que acontece depois de Nanette?

Douglas é o novo especial Netflix da cómica australiana que há quase dois anos foi catapultada para a fama mundial com o catártico Nanette.

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Hannah Gadsby em Douglas, o seu novo especial Netflix DR

Há quase dois anos, Nanette catapultou Hannah Gadsby, cómica de stand-up australiana, para a fama mundial. Não era suposto. O catártico especial de stand-up lançado pela Netflix era uma dissecação do seu trauma como mulher lésbica que tinha sido sexualmente agredida e da forma como a comédia e a arte em geral, ao longo dos anos domínio dos homens brancos heterossexuais, não tratavam bem a diferença. Era um último suspiro de uma carreira de mais de uma década nos palcos australianos e britânicos: no especial, Gadsby falava em reformar-se.

Só que o sucesso trocou-lhe as voltas. Gadsby não se reformou e agora está de volta com Douglas, um novo especial que se estreou esta terça-feira na Netflix, que é tão meta-referencial e preocupado com o formato de um espectáculo de stand-up quanto o outro, só que com muito menos trauma à mistura. Aliás, na introdução de 15 minutos, em que a cómica explica o que é que acontecerá ao longo de cada parte da hora que se segue, Gadsby queixa-se de ter gasto os cartuchos todos do trauma que sofreu em Nanette.

A cómica diz que já não tem traumas para explorar, se soubesse o que sabe hoje, teria espalhado a sua experiência, no mínimo, ao longo de uma trilogia. Isto é, explica ela, uma maneira de fazer os espectadores baixarem as expectativas. O que é se pode fazer depois de Nanette, um especial que pôs o mundo da comédia, para o bem e para o mal, a pensar e a impediu de se reformar? Mantém-se o espírito de experimentação com o formato, em que a inventividade da estrutura compensa mesmo quando as piadas não estão ao mais alto nível, histórias da vida pessoal, inúmeras referências a piadas feitas um pouco antes e considerações, com as Tartarugas Ninja pelo meio, sobre a História da Arte, área na qual Gadsby se formou, de uma perspectiva feminista. Há espaço, também, para as diferenças de linguagem entre a Austrália e os Estados Unidos, trocadilhos, o movimento anti-vacinas, Onde Está o Wally?, a relação de Harry Potter com transfobia, e Louis C.K.

Realizado por Madeleine Parry, Douglas é, em parte, sobre o autismo de Gadsby, algo que só lhe foi diagnosticado há três anos. “Douglas” é o nome do cão da cómica, que começou por ser Doug, mas, graças a uma interacção social desconfortável num parque canino, mudou — é aí que reside a maior força da cómica, que parte dessa história para se questionar por que é que a maioria dos nomes foram dados a pensar nos homens como o centro do mundo.

Mas é também uma reacção a Nanette, ou às várias reacções que Nanette gerou, sejam as de quem gostou ou de quem não gostou. Gadsby refere especialmente um certo público masculino que criticou esse especial por “não ser comédia”, como se as partes sérias fossem um defeito do espectáculo, não sérias de propósito e que o acusou de ser “uma palestra” ou uma “TED Talk glorificada”. Douglas não é Nanette, é o que vem a seguir, e o que vem a seguir promete.

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