Câmara do Porto quer Governo a financiar habitação para sem-abrigo a 65%
Metade dos 560 sem-abrigo do Porto são oriundos de municípios vizinhos. Rui Moreira quer criar estratégia metropolitana para responder ao assunto e volta a pedir intervenção de António Costa
A Câmara do Porto vai recomendar ao Governo a criação de um “programa específico para alojamento em habitação das pessoas em situação de sem-abrigo”, assegurando aos municípios “o financiamento de 65% para a construção ou aquisição de fogos”. A proposta de Rui Moreira foi aprovada por unanimidade na reunião de câmara privada desta segunda-feira, à qual a comunicação social continua a não ter acesso, e reforçou, mais uma vez, a dimensão metropolitana do problema: por causa disso, o executivo quer também criar um “grupo de trabalho no âmbito do Conselho Metropolitano de vereadores de acção social” para tentar estruturar uma resposta conjunta.
Não é a primeira vez que a autarquia levanta esta questão. Em Novembro passado, Rui Moreira pedia ao Governo para operacionalizar a sua estratégia nacional, incluindo no Orçamento do Estado a verba necessária para isso, e falava numa dupla penalização para as cidades grandes: “Ao ter uma estratégia que não é nacional estamos a agravar a situação porque trazemos gente para cá.”
O assunto terá sido debatido numa reunião à porta fechada onde autarquia e parceiros sociais se reuniram com Marcelo Rebelo de Sousa e a ministra Ana Mendes Godinho, já em mês de Natal. Mas medidas concretas nunca foram conhecidas. O grupo metropolitano, propõe a maioria municipal do Porto, deve identificar as respostas já existentes e perceber em que municípios já estão criados os Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) ou outras estruturas no âmbito da rede social para, em conjunto, “definir as políticas sociais de âmbito metropolitano que deverão ser implementadas no imediato”.
Manuel Pizarro subscreveu a proposta: para o socialista é “inquestionável” que o assunto deve ter uma “abordagem metropolitana”. Embora a ideia de uma solução mágica seja pura utopia: “No Porto, como em todas as outras áreas urbanas do mundo, é no centro que o problema é mais agudo. O essencial tem de ser sempre resolvido no Porto”, apontou. O apoio pedido ao Governo é também “correcto”, disse o vereador, sem deixar de recordar que o IHRU deu recentemente 13 de 42 casas prometidas ao Porto: “Não se pode dizer que o Estado não faça nada.”
A CDU tem repetido que “a responsabilidade da habitação pública deve ser do Governo”. Mas acabou por concordar com uma participação da câmara, caso António Costa se comprometa em garantir a maioria do financiamento, e votou favoravelmente o documento, contou ao PÚBLICO a vereadora Ilda Figueiredo.
Álvaro Almeida, do PSD, recorda que o financiamento estatal é “uma obrigação constitucional” para justificar o seu voto favorável. Os 65% parecem ao social-democrata uma valor “razoável”, nem que seja por comparação ao passado, provocou: “Tendo em conta que na prática não financiam nada, se for para os 65% já é mais…” A criação de um conselho metropolitano é também “oportuna”, defende: O problema dos sem-abrigo não tem fronteiras municipais, é um problema da sociedade e regiões”.
Porto e Gaia no top 3 das cidades com mais sem-abrigo
O Porto é a segunda cidade do país, depois de Lisboa, com mais pessoas em situação de sem-abrigo. Serão 560, segundo dados de um relatório de final de 2018, mas cerca de metade (51%) são oriundos de outros municípios. Na lista das 20 cidades com mais pessoas a dormir nas ruas, quatro estão na Área Metropolitana do Porto (AMP) - ao Porto junta-se Gaia, Gondomar e Matosinhos - e dos 17 municípios da AMP, 13 identificaram no seu território pessoas nesta situação, uma incidência de 76% (face aos 44% a nível nacional)
Na reunião privada, descreve o gabinete de comunicação num “resumo” enviado à comunicação social, o vereador Fernando Paulo sublinhou que o Porto é “o município do país que tem o maior número de pessoas que no último ano deixaram a situação de sem-abrigo e obtiveram uma habitação de carácter permanente”.
Um novo restaurante solidário, na zona do Campo Alegre, está a realizar “umas pequenas obras”, estando quase “pronto a abrir”, garantiu ainda o vereador de Rui Moreira em resposta a uma questão de Manuel Pizarro. Na baixa do Porto também poderá, “brevemente”, ser inaugurado um quarto espaço destes na cidade, para “aliviar a pressão existente junto ao gabinete do munícipe e ao parque de estacionamento da Trindade”.
Bairros com outras regras
A matriz de classificação de pedidos de habitação, reformulada em 2019, voltou a ser ajustada e inclui agora uma majoração na pontuação de famílias monoparentais ou exclusivamente compostas por pessoas com 70 ou mais anos. O PS votou contra, o PSD e a CDU abstiveram-se. Todos por razões diferentes – e até opostas.
Manuel Pizarro lamentou a ausência de uma análise da matriz anterior com dados concretos, para um voto mais consciente. A diminuição da lista de espera parece-lhe ser uma ilusão e a convicção do socialista é que a matriz esteja a deixar “mais gente de fora” e não que haja menos necessidade. Álvaro Almeida, do PSD, prefere uma matriz “mais realista” que seleccione “os casos mais gritantes”. Alargar critérios, diz, “é apenas alargar a lista de espera”. Já a vereadora da CDU, Ilda Figueiredo, congratulou-se com a inclusão das “mães solteiras” na matriz, uma reivindicação antiga do seu partido, mas não votou favoravelmente por a matriz ainda deixar de fora casos como os de “famílias com rendimentos muito baixos”.