Dez anos de Buala, ou outras formas de pensar o mundo

Há dez anos nascia a plataforma digital Buala, com uma abordagem transdisciplinar, onde as esferas político-sociais e artísticas se tocam, para impulsionar ou questionar os cenários do pós-colonialismo.

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Faz esta segunda-feira dez anos. Foi a 25 de Maio de 2010, para assinalar o dia de África, que foi lançada a plataforma e portal Buala (www.buala.org), com uma abordagem transdisciplinar, onde as esferas político-sociais e as artísticas se tocam, numa lógica onde tanto se sistematizam actividades culturais em sociedades contemporâneas, em particular os contextos pós-coloniais, como se lança um olhar reflexivo sobre as mesmas.

Tudo começou quando a investigadora portuguesa Marta Lança, a timoneira e editora do projecto, em diversas viagens a lugares como Luanda, Maputo ou São Tomé, era confrontada com a dificuldade, sobretudo dos jovens, no acesso à informação e conhecimento produzido sobre os seus próprios contextos. Por outro lado, em Portugal, sentia que alguns aspectos da criatividade daqueles territórios não eram conhecidos. Mas não só. Também as práticas e o pensamento africano ou afrodescendente no território português não detinha visibilidade, ou a imagem oferecida era distorcida. É a partir dessa triangulação que a Buala nasce.   

Hoje, diz ela, “apesar da ainda manifesta dificuldade na análise do passado colonial português, tem-se vasculhado nos arquivos e nas memórias e produzido conhecimento sobre o colonialismo, a ditadura, a guerra e a resistência, tanto nas ciências sociais como nas artes.” A Buala tem contribuído para isso. Na actualidade se os cenários do pós-colonialismo se tornaram num objecto recorrente nas práticas artísticas ou nas humanidades, isso também se deve ao portal. “Quando imaginei um espaço como este foi também para complexificar o conhecimento sobre realidades enquadradas numa história comum mal contada – a construção do ‘espaço lusófono’ – para emancipar estas relações para lá de notas folclóricas, saberes académicos ou evasivos discursos políticos que não equacionam reparações ou pedidos de desculpa.”

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A Buala, diz Marta Lança, é uma “ferramenta de reflexão, construída a várias vozes, que obedece a uma ‘curadoria aberta’, com metodologia de trabalho informal e persistente.”

Foi a partir das suas diversas vivências, operando com autores firmados e emergentes, cruzando discursos, tempos e lugares, que Marta Lança se foi questionando sobre a “falta de universalidade da produção teórica e artística.” Foi aí que resolveu criar digitalmente a Buala. “Tivemos um apoio inicial da Casa das Áfricas e da Gulbenkian”, recorda. “E depois 8 anos sem apoios, até termos tido um pontual da DGartes e um apoio em 2019-20 da Câmara de Lisboa”, que não sabe se irá ter continuidade no futuro imediato. Apesar da sua orientação, assume que a Buala é uma “ferramenta de reflexão, construída a várias vozes, que obedece a uma ‘curadoria aberta’, com metodologia de trabalho informal e persistente.”

Na sua visão só é possível uma abordagem pós-colonial que seja “polifónica”, colocando em realce “enfoques históricos, geográficos, políticos e culturais.” Sendo assim, tenta definir, a Buala é esse “lugar de encontro, gerador de visibilidade e de fricções, incentivando discursos que abarcam realidades e urgências diversas.” Artigos sobre as violências e acontecimentos dos impérios coloniais, as culturas transnacionais ou textos a partir de exposições, filmes, teatro ou conferências são comuns. Por ali passa, com assiduidade, o debate sobre a descolonização dos museus, o activismo da cultura visual e a restituição do património africano, ou as questões indígenas, negras, queer e lutas interseccionais.

Numa frase, existe essa ambição de sistematizar e atribuir sentido a conhecimento que é interpelador, contribuindo para outras formas de pensar o mundo. Nesta segunda-feira, reflectindo esse posicionamento transdisciplinar, lá encontramos inúmeros depoimentos de gente tão diferente como Marta Mestre (curadora), Miguel Vale de Almeida (antropólogo), Elísio Macamo (investigador), Iolanda Évora (psicóloga social), Djaimilia Pereira de Almeida (escritora), Ery Cláver (cineasta angolano), Monica Musoni (artista),  Kiluanji Kia Henda (artista), Filipa César (artista), António Pinto Ribeiro (investigador) ou Luaty Beirão (músico).

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