Directivas do Governo condenam artes do palco
É mais perigoso ir ao supermercado do que ir a um espectáculo ao ar livre com lugares marcados, plateia reduzida e máscara? Mistério científico versus bom senso.
Estas últimas medidas de distanciamento social, preconizadas pelo Governo, colocam em causa a viabilidade global – artística, financeira e de público – do sector das artes do espectáculo: dos concertos de música clássica à música ligeira e espectáculos de toda a espécie, incluindo os de pequeno formato.
Estas directivas parecem querer punir as artes cénicas e musicais de forma definitiva, agudizando a sua já tão profunda crise, por serem muito mais rigorosas do que as que têm sido aplicadas nas restantes áreas da sociedade.
Num Estado de direito compreende-se que as regras sejam diferentes para uns e para outros? Não deveriam estas medidas ser coerentes e transversais em relação à retoma de todas as actividades e sectores da sociedade, no sentido da protecção do cidadão e de evitar o colapso social? Houve bom senso em proteger a população do contágio inicial e posterior evolução da pandemia covid-19. Fomos cumpridores e fomos solidários.
No sector da cultura fomos mais do que pacientes, sofrendo a inércia de um Ministério da Cultura sem qualquer tipo de estratégia coerente, em tempo útil, para o sector inteiro, tomando mesmo medidas inaceitavelmente diletantes e com total falta de sentido de oportunidade, contrariando a tendência europeia de salvação urgente do sector. Sim, em contextos incomparavelmente mais organizados e fortes do que o nosso. Mas como somos mais frágeis, nem precisamos de apoio, será esta a premissa?
Os tão apregoados apoios da Segurança Social são mais do que insuficientes para aqueles que a eles conseguiram ter acesso – não é com pouco mais de 200 euros mensais que uma família foge da fome. Já para não falar na grande quantidade de profissionais liberais que, mesmo sendo contribuintes exemplares, se viram privados deste parco apoio, como é o caso dos corpos gerentes das associações culturais sem fins lucrativos e outros impedimentos-armadilha afins. Situação que se torna ainda mais escandalosa se olharmos para o apoio de 15 milhões acabados de atribuir, pelo mesmo Ministério da Cultura, aos media, com a maior fatia oferecida aos canais televisivos privados...
É mais perigoso ir a uma sala de espectáculo ou a um espectáculo ao ar livre, com um número limitado de espectadores, lugares marcados, que apenas recebem esses espectadores num período diário e limitado no tempo, do que ir a um supermercado que recebe milhares de pessoas diariamente e ininterruptamente, onde mexemos em embalagens, produtos, pagamos numa caixa onde milhares de pessoas passaram e colocaram os bens a consumir e estamos a pouco mais de 30 cms do funcionário, ou do que ir num transporte público, ou num avião, onde está previsto um distanciamento de 10 cm entre cada passageiro, ou a um restaurante ou uma loja? Exigir num recinto ao ar livre 20 metros quadrados para cada pessoa é insustentável, se nem na própria rua por onde passa a população inteira, logo potencialmente muito mais perigosa, isso é exigido.
É necessário coerência e justiça nas medidas que se exigem. A Direcção-Geral da Saúde, em coordenação com o Ministério da Cultura, têm de estar informados sobre o que está a ser feito no resto da Europa e chamar pessoas preparadas para estruturar medidas de tão grande responsabilidade e impacto, sob pena de perder completamente a credibilidade junto dos cidadãos e agudizar o colapso deste sector.
Se nos dizem para fazer coisas que à partida não têm sentido e nos parecem injustas e desproporcionadas, em relação ao resto da sociedade, como cidadãos, mesmo num estado de calamidade, mas que ainda faz parte de um Estado de direito, temos de sinalizar e tudo fazer para que as mesmas sejam rectificadas, até porque a situação se pode alterar a qualquer instante e vamos ter de viver nesta instabilidade e incerteza nos próximos tempos.
Mas face a tantos pedidos e indicações contraditórios que nos foram sendo veiculados, ao longo da evolução da pandemia e ainda o são, urge-se coerência: é para usar máscara ou não é? São dois metros de distanciamento social ou são antes 20 metros quadrados por pessoa ou afinal apenas 20 cm? Em que é que ficamos? Ajudem-nos com medidas bem pensadas, coerentes e de forma faseada! Façam um cenário provisional, mesmo que depois vá sendo rectificado, se não, como querem reaver a confiança das pessoas e promover o desbloqueamento deste sector?
Queremos retomar a nossa vida e o nosso trabalho com a confiança possível, mas o Governo português tem de promover linhas orientadoras comuns.
Aproveito para divulgar as medidas do governo austríaco para a referida retoma, que obviamente podem ser revogadas a qualquer altura, permitindo mesmo assim a reorganização do sector, na esperança de que possam produzir uma boa influência no nosso país:
- A partir de 29 Maio, serão possíveis eventos interiores e exteriores até 100 pessoas;
- A partir de 1 de Julho, será possível ascender a 250 pessoas desde que as cadeiras tenham um metro de distância;
- A partir de 1 Agosto, eventos até 500 pessoas serão tidos em conta e poderão evoluir até 1000.