André Ventura e as seitas evangélicas
Será possível que André Ventura e o Chega tenham sido financiados pelo movimento evangélico neopentecostal? Se isso aconteceu é gravíssimo, além de ilegal.
Que ele se julga um messias, não há grandes dúvidas pois o ego é desmedido. Já que tinha igrejas a segui-lo, parece ser uma novidade. Será que o projeto político de André Ventura é financiado por seitas evangélicas? Vale a pena ler o excelente trabalho do jornalista Miguel Carvalho na revista Visão, onde os meandros das ligações entre as igrejas evangélicas neopentecostais e o Chega são revelados.
Um pastor evangélico reformado de Loures, Constantino Ferreira, encaminha para o Chega contactos que recebe no seu site religioso. Confessa, sem pudor, que já terão sido mais de 4 mil os convites que fez e guiou para aquele partido. A situação parece decalcada do outro lado do Atlântico, onde os apoios de evangélicos a Bolsonaro foram fundamentais para este conquistar a presidência do Brasil. E não é coincidência. “É o momento da igreja ocupar a nação” é o resumo que Damares Silva, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro e pastora evangélica faz deste projeto político.
Outro exemplo relevante é o dos EUA. No início de janeiro foi lançado o movimento “Evangélicos por Trump”, uma reafirmação do apoio de grupos evangélicos radicais ao atual presidente. A agenda extremista de Trump tem bitola similar à de Bolsonaro como tão bem tem sido demonstrado pelo desastre da resposta à pandemia, com a reprodução dos mesmos erros e dos mesmos preconceitos – e com idêntico resultado mortal nos seus países. Vários analistas reconhecem que esse projeto de poder seria impossível sem o apoio destes grupos evangélicos extremados.
Regressando ao nosso país, o sonho de conquista de poder em Portugal existe há muito nos evangélicos neopentecostais. A primeira tentativa foi com o defunto Partido da Gente, criação da IURD em 1995 e que no seu símbolo, além da letra “G” em fundo azul, tinha uma sugestiva vassoura vermelha. Essa experiência despenhou-se com um resultado eleitoral miserável mas as intenções não desapareceram, apenas esperaram melhor oportunidade. Esse momento parece ter aparecido com a entrada em cena de André Ventura.
O investigador Donizete Rodrigues, professor de Sociologia da Religião na Universidade da Beira Interior, relatou a Miguel Carvalho o resultado das suas pesquisas no terreno e as conclusões são surpreendentes: “É público que líderes e membros das igrejas [neopentecostais] financiam atividades partidárias” e, “como é expectável, o Chega faz parte desse esquema”. O mesmo investigador conclui ainda que “muitos líderes e pastores evangélicos dirigem, nos cultos, grandes elogios ao Chega e ao seu líder. Na verdade, fazem aberta campanha política, e isso foi mais evidente na última eleição.”
Será possível que André Ventura e o Chega tenham sido financiados pelo movimento evangélico neopentecostal? Se isso aconteceu é gravíssimo, além de ilegal. André Ventura lava as mãos como Pilatos quando confrontado com essa possibilidade. “Pelas minhas mãos ou que eu conheça, não entrou dinheiro nas contas bancárias do Chega de forma abusiva”, diz o deputado, mas sabemos o que vale a palavra de Ventura. É a mesma pessoa que prometeu cumprir o mandato em exclusividade e acumula vários cargos no privado ou que garantia ser contra as subvenções vitalícias e depois trouxe Sousa Lara para o seu lado, o mesmo político que nunca abdicou do seu direito à subvenção vitalícia estatal.
A extrema-direita tem mostrado como não distingue a política dos negócios, não seria de estranhar que o mesmo acontecesse com André Ventura e o Chega. Os financiamentos de partidos “amigos” ou de movimentos internacionais da alt-right são recorrentes. Ainda há meses rebentou o escândalo dos pagamentos da Rússia e dos seus oligarcas para a extrema-direita francesa, austríaca ou italiana.
Aliás, para André Ventura a própria política é um negócio, como explica um dos dirigentes do Chega, reconhecendo que “muitas assinaturas [para a legalização do partido] foram recolhidas por estudantes (...) e pagávamos um euro por cada uma, em dinheiro. Fez-se isso em todo o país”.
Este “santo” tem pés de barro.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico