O confinamento em família foi “sufocante” para 35% dos jovens LGBT+

Dos 632 jovens LGBT+ inquiridos num estudo da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, a maioria não se sentiu confortável em confinamento com a família. Investigadores recomendam que “os serviços de apoio, abrigos e demais redes de apoio social permaneçam particularmente atentos e disponíveis”.

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Sharon McCutcheon/Unsplash

Um estudo da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) concluiu, com base num inquérito feito a 632 jovens LGBT+, com idades entre os 16 e os 35 anos, que a maioria não se sentiu confortável no seio familiar durante o confinamento. 

Resultados que não são uma surpresa: “Sabemos que as situações de quarentena têm um impacto na saúde mental (por exemplo, sintomas associados ao stress pós-traumático, como a depressão e a raiva). Espera-se que estes efeitos sejam mais pronunciados em populações que estão, à partida, em situação de desvantagem. Este poderá ser o caso dos ou das jovens LGBT+”, contextualiza Jorge Gato, investigador da FPCEUP e o responsável pelo estudo, ao P3.

Em comunicado, a FPCEUP adianta que o estudo visava “avaliar a saúde psicológica e as redes de apoio social” de jovens LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e outras minorias sexuais e de género) que vivem com os pais durante a pandemia da covid-19. 

As conclusões agora apresentadas representam a “primeira fase do estudo”. Segundo o mesmo, a maior parte dos participantes vive habitualmente com os pais e, “dadas as circunstâncias”, um em cada cinco regressou à casa de família. A análise mostra que 59% dos inquiridos afirmaram estar desconfortáveis no seio familiar e três em cada dez sentiram-se “bastante desconfortáveis” a viver em casa dos pais durante o confinamento social.

O motivo? “É geralmente na adolescência e início da idade adulta que as pessoas LGBT+ revelam aos outros a sua orientação sexual ou identidade de género. Durante esta altura, amigos e família podem funcionar como fontes de apoio ou, pelo contrário, reproduzir o preconceito social ainda existente”, começa Jorge Gato.

Mas, em isolamento social, “é expectável que aqueles que não possam contar com as habituais redes de apoio — colegas de escola, amigos, comunidade LGBT+, associações de defesa dos direitos das pessoas LGBT+ — e cuja família não aceite a sua orientação sexual ou identidade de género estejam numa situação de maior vulnerabilidade no que diz respeito ao seu bem-estar físico e mental”, continua o investigador.

A prova disso mesmo é que 35% dos jovens disseram sentir-se “sufocados” por não poderem expressar a sua identidade no seio familiar, sendo que, no caso dos jovens cuja família tinha conhecimento da sua identidade LGBT+, 35% afirmaram que “lidam mal ou muito mal” com isso. E “se para alguns e algumas jovens a pandemia da covid-19 não teve impacto nas suas redes de apoio social, uma proporção importante sentiu-se bastante isolada dos seus amigos”, refere a FPCEUP

Este estudo concluiu ainda que seis em cada dez participantes consideraram que a pandemia afectou “bastante” a sua vida. No que concerne às redes de apoio social, metade dos jovens admitiram sentir-se isolados dos seus amigos e 35% "extremamente isolados” do namorado ou namorada. 

Apesar destes resultados serem “preliminares” — "o que os dados revelam, por enquanto, é que existe um número considerável de jovens nesta situação" —, o estudo recomenda que “os serviços de apoio, abrigos e demais redes de apoio social permaneçam particularmente atentos e disponíveis durante este período para atender às necessidades dos jovens LGBT+”.

Há também “todo um trabalho de sensibilização e de luta contra o preconceito e discriminação que é preciso continuar a fazer”. Para já, e no imediato, é preciso “chamar a atenção para o problema”, assegura Jorge Gato. “A pandemia de covid-19 está e vai continuar a afectar a esmagadora maioria da população, mas alguns grupos de pessoas poderão vir a pagar um preço mais elevado. Poderá ser esse o caso das pessoas LGBT+, em particular daquelas que não têm autonomia relativamente às suas famílias de origem.”

O próximo passo da equipa de investigadores será aprofundar em que medida estas circunstâncias afectam a curto, médio e longo prazo a saúde psicológica destes jovens.