Taiwan, a pequena grande ausência da assembleia da OMS

Organização Mundial de Saúde diz que tem de ter aprovação de todos os seus 194 membros antes de poder convidar Taiwan, um raro caso de sucesso na luta contra a covid-19.

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Chen Shih-chung, ministro da Saúde de Taiwan, dá uma conferência de imprensa sobre a vontade do seu país em entrar para a OMS, na sexta-feira ANN WANG/Reuters

A assembleia-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) começa esta segunda-feira (online, claro) e há um pequeno território que não está presente — Taiwan. A ausência é mais notada quanto Taipé é um caso de sucesso na luta contra a covid-19. Quando a sua proximidade da China continental fazia prever o contrário, Taiwan só registou 440 infectados e sete mortos, um número mais notável porque não foi conseguido recorrendo a medidas generalizadas de encerramento, quarentenas ou “lockdowns”.

A OMS diz que precisa da aprovação de todos os seus 194 membros para enviar um convite, e a China opõe-se. Taipé recusou cumprir a condição imposta por Pequim: reconhecer que Taiwan é parte da China.

Taiwan tem um governo próprio desde os anos 1940, e enquanto não pôs em causa a sua pertença à China, Taipé fez parte, como observadora, da OMS. Mas isso mudou com a presidência de Tsai Ing-wen, que começou em 2016 (Tsai foi reeleita em Janeiro e toma posse esta quarta-feira), e que tem uma posição pró-independentista liminarmente recusada por Pequim.

O sucesso de Taiwan deixa, no entanto, muitos a questionar porque é que não se permite que participe nos encontros da OMS. Uma entrevista num canal de Hong Kong em que um responsável da OMS, Bruce Aylward, parece fingir não ouvir uma pergunta sobre Taiwan ajudou a um coro de vozes dizendo que a OMS está demasiado próxima da China e acusando a organização de desvalorizar inicialmente o novo coronavírus.

EUA e Nova Zelândia fazem parte dos países que se têm pronunciado a favor da participação de Taiwan. Da União Europeia, uma carta aberta de mais de cem deputados e eurodeputados pedia aos governos nacionais para pressionarem para que esta acontecesse.

“O vírus não conhece fronteiras, nacionalidades e ideologias”, diziam os signatários. “O mundo precisa de partilhar toda a informação e conhecimento que possa ajudar a combater a pandemia.” Na carta era ainda pedido à OMS que “voltasse ao protocolo pragmático, praticado entre 2009 e 2016, de convidar Taiwan como observadora neste formato”.

O eurodeputado Urmas Paet (Estónia, liberal) que iniciou a carta aberta lembra ainda que Taiwan “foi o primeiro país que enviou avisos à OMS quanto ao novo vírus e aos perigos relacionados, mas infelizmente a OMS não fez grande coisa com este aviso”, disse ao site Euractiv.

As autoridades taiwanesas dizem ter enviado um aviso à OMS sobre a possibilidade de contágio entre pessoas ainda em Dezembro uma possibilidade que a OMS só reconheceu muito mais tarde. O organismo diz que não recebeu nenhum alerta de Taiwan mas sim uma pergunta. 

O vice-presidente de Taiwan, Chen Chien-jen, lamentou que o “envolvimento da política” deixe Taiwan fora da assembleia. Segundo o South China Morning Post, Chen acusou ainda o organismo dirigente da OMS de se submeter à pressão política da China e não respeitar o profissionalismo, neutralidade e preocupações de saúde global.

Chen, o vice-presidente que termina agora o mandato, é uma figura peculiar: é especialista em epidemiologia, com um doutoramento na Universidade Johns Hopkins (EUA).

Antes de ser político, Chen esteve ainda envolvido na resposta ao surto da SARS em 2003 (com 671 casos confirmados e 84 mortes no território, lembra o New York Times) que foi também devastador para a economia. 

Depois disso, foi ele o responsável por uma série de reformas de preparação para a epidemia seguinte, com sistemas de informação rápidos, alas de isolamento nos hospitais, e laboratórios de investigação de vírus, conta o diário norte-americano num perfil de Chen.

Este foi um dos motivos para a resposta rápida de Taiwan, assim como a transparência na informação, a intervenção do Governo para assegurar máscaras (tanto restringindo exportações como pondo fábricas a fazê-las) e álcool, e a informação em tempo real sobre zonas com mais casos, assim como uma app de telemóvel como as que estão a ser estudadas na Europa, mas têm levado a dúvidas sobre respeito de privacidade.

Chen é a principal figura a quem os taiwaneses dão crédito pela situação excepcional do território quando muitos países se debateram com cenários complicados de gestão de cuidados aos doentes de covid-19 nos sistemas de saúde é conhecido como o “irmão mais velho”.

Está também a ser o protagonista na batalha pela participação na OMS, e na apresentação do “modelo de Taiwan” como um exemplo a seguir. 

É ainda um caso que retira argumentos a quem defende que só regimes fortes conseguem o tipo de adesão a quarentenas da população: em Taiwan, a disponibilização de informação e a transparência são dos factores que alguns observadores destacam como fundamentais para o seu sucesso. 

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