O risco de burnout nos jovens: dados a ter em atenção

Na sociedade de exigência da era contemporânea, pedem-se fósforos muito altos aos jovens, sem lhes permitir esta estrutura fundamental. Os pais negam-lhes a experiência laboral ou não os educam nesse sentido.

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Podemos pensar no burnout através da seguinte imagem: um fósforo que vai queimando e derretendo toda a sua estrutura e capacidade, dedicando cada vez mais energia a uma chama que acaba por nunca ser devidamente utilizada.

Tenho acompanhado casos na minha actividade clínica. Mesmo em países que nunca associaríamos a burnout, como na utópica Suécia, os números são reveladores. Dados de um estudo da Yellowbrick indicam que mais de 96% dos jovens dizem sentir sintomas de burnout. Quais serão os factores de risco para os nossos jovens?

Num outro artigo que redigi para o P3, falei na carência de políticas nacionais que pudessem providenciar mecanismos para suportar a aposta empresarial nos jovens. Num efeito de enantiodromia​ social, algo semelhante aconteceu na Inglaterra dos anos 70, onde a crise industrial e da classe operária impediu os jovens de realizar as suas metas pessoais. Despeitados, começaram a evidenciar comportamento desviante, através do aumento da criminalidade e uso de drogas. É daí que emerge o movimento niilista do punk. Jovens ressentidos que apelavam à violência, reflectindo no fundo a destruição dos seus sonhos e objectivos outrora traçados e não cumpridos.

Assisto a esse ressentimento e cepticismo em crescendo na nossa sociedade. Escrevi outro artigo em que falava no caso dos hikikomori — ​jovens que vivem isolados em casa. Jovens esses que são, por vezes, os punks da era moderna porque tomam essa mesma atitude niilista e ressentida de forma virtualizada e fantasiosa através do vício dos videojogos, para camuflar a ansiedade que têm em tornarem-se adultos. Ansiedade esta que pode ser desencadeada pela falta de oportunidades, mas por algo mais profundo também.

Vivemos numa era onde predomina o complexo de Peter Pan (puer aethernus). De jovens que vivem na Terra do Nunca. Num terreno de fantasia que lhes foi vendido, seja pelos pais que os querem na sua alçada ou pela própria indústria do marketing que inicia na indústria cinematográfica e acaba nos livros de auto-ajuda que vendem falsos positivismos, como refere Edgar Cabanas no PÚBLICO.

Aumentamos a fachada dos recreios das faculdades para que os jovens possam brincar de senhores doutores, numa sociedade elitista que desvaloriza erradamente o sector primário e as áreas técnicas. Nesse sentido, temos jovens que são formatados a falsas vocações, obrigados a não seguirem os seus anseios ou paixões. Dessa forma, onde o coração não bombeia paixão, o corpo esgota na sua performance.

Além disso, vivemos cada vez mais numa sociedade formatada pela intelectualidade e rigidez técnica. Veja-se pelo caso dos países do Oriente, onde o enfoque está no aumento de engenheiros para fortalecer a tecnologia que é a ferramenta, arma e amante actual da economia. Contudo, em tempo de crise como a actual, são áreas curriculares desvalorizadas como a arte, a música e a educação física que concedem algum bem-estar físico e psicológico.

Aos jovens falta-lhes arte, falta-lhes cultura, experiência e sabedoria. Quando não se cultivam esses quatro pilares fica-se em débito na estrutura e na resiliência. Na sociedade de exigência da era contemporânea, pedem-se fósforos muito altos aos jovens, sem lhes permitir esta estrutura fundamental. Os pais negam-lhes a experiência laboral ou não os educam nesse sentido. Formatam apenas para o sucesso académico, prometendo que um canudo irá preencher todas as lacunas. Quando a mentira tem perna curta, a angústia surge como primeiro estágio, crescendo um ressentimento inevitável, aumentando o stress que esgota as forças existenciais.

Por último, e não menos importante, vivemos uma era de transformação das estruturas sociais. Vivemos numa era de falência a vários níveis, nomeadamente espiritual. Veja-se, por exemplo, o caso do Japão que lidera as taxas mais altas de burnout conduzindo ao suicídio ou à morte de causa psicossomática.

Numa sociedade tão avançada tecnologicamente como o Japão, estes dados são alarmantes. Principalmente, porque é cada vez maior o anticorpo à espiritualidade, o que se pode traduzir na escassez da criação de sentido de vida. Quando o corpo apenas sobrevive por uma atitude moral, mas não vive por uma causa superior, o próprio esgotamento ganha à vida e, por isso, à vontade de viver.

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