Relação dá razão à vereadora Odete Patrício em processo movido pela Câmara do Porto
O caso remonta a Agosto de 2018, quando Odete Patrício fez uma publicação na sua página na rede social Facebook a criticar processos de licenciamento pela Câmara do Porto de construções junto à Ponte da Arrábida. Ru Moreira quis processá-la.
O Tribunal da Relação deu provimento ao recurso apresentado pela vereadora da Câmara do Porto Odete Patrício, considerando que os seus comentários sobre uma obra embargada na escarpa da Arrábida são “meras opiniões”, pelo que não vai a julgamento.
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP), datado de 06 de Maio, a que a agência Lusa teve acesso, revoga a decisão do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, que, em Outubro de 2019, pronunciou “erradamente” (decidiu levar a julgamento) a vereadora socialista na Câmara do Porto pelo crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva.
A instrução (fase facultativa que visa decidir se o processo segue e em que moldes para julgamento) foi requerida pelo município liderado pelo independente Rui Moreira, depois de o Ministério Público não acompanhar a acusação particular da autarquia e determinar, ainda na fase de inquérito, pelo seu arquivamento.
O caso remonta a Agosto de 2018, quando Odete Patrício fez uma publicação na sua página na rede social Facebook a criticar processos de licenciamento na Câmara do Porto, demonstrando desacordo com a autorização de construções junto à Ponte da Arrábida.
Numa resposta a um comentário a vereadora escreveu: “Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma” e “Money makes the world go round" (o dinheiro faz o Mundo girar).
Na decisão, os juízes desembargadores Jorge Langweg (relator) e Maria Sousa explicam que incorre no crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva “quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação”.
“Conforme bem anotou a recorrente na sua motivação de recurso, é precisamente esta a fragilidade da decisão instrutória, pois aquilo que é identificado no despacho de pronúncia como tendo sido publicado, de modo a ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança do município, é que a arguida, através das publicações, lança a suspeita, dá a entender, que as alterações ao processo de licenciamento terão sido motivadas por razões diversas da prossecução estrita do interesse público, especialmente quando nessa mesma rede social e em comentário de outra pessoa a uma postagem, escreveu: “Não me parece que tenha sido incompetência. De forma alguma” e “Money makes the world go round and round", diz o TRP.
Segundo a Relação do Porto “tais expressões concretas, que foram publicadas em comentário a publicação na rede social Facebook, constituem, expressa e respectivamente, um juízo pessoal ("Não me parece...”), a respeito de pareceres dados num processo camarário e o enunciado de uma expressão idiomática em língua inglesa”.
O TRP entende que, “inquestionavelmente, a emissão pública de tal juízo pessoal e expressão idiomática em comentário a uma postagem na rede social, onde a arguida referenciou de uma forma muito simplista diversos pareceres de um processo administrativo que estava pendente na câmara municipal de que é vereadora, é susceptível de ofender o bom nome do município do Porto”.
“Mas a classificação dos pareceres como sendo contraditórios e a formulação de tais expressões não deixam de ser meras opiniões e juízos de valor emitidos pela arguida. Não se trata da propalação de factos inverídicos, mas apenas e tão-só de uma opinião - juízo de valor - indiciariamente desprovida de fundamento real. Os juízos de valor traduzem convicções subjectivas, que só responsabilizam quem os profere, enquanto os factos constituem realidades objectivas”, esclarecem os juízes desembargadores.
O acórdão acrescenta que, “se de tais publicações resultou prejuízo para o bom nome” do município, “tal não gera qualquer responsabilidade penal para a arguida, por força do princípio da legalidade e da tipicidade penal, pois a mesma não propalou facto inverídico, mas apenas e tão-somente, juízos de valor subjectivos a respeito de pareceres que existiram -- tal como o próprio assistente (autarquia) admitiu, embora explicitando o seu devido contexto que, indiciariamente, afasta a existência de qualquer irregularidade do processo camarário a que dizem respeito tais pareceres”.
“Não tendo a arguida propalado factos inverídicos, mas apenas e tão-somente juízos de valor depreciativos e indiciariamente infundamentados, não se mostra preenchido o tipo legal de crime pelo qual a arguida foi, erradamente, pronunciada. O prejuízo porventura sofrido pelo assistente apenas poderá encontrar reparação noutros planos que não seja o penal, em decorrência do princípio da legalidade e da tipicidade penal”, sustenta a Relação do Porto.