Artistas condenam comentários de Regina Duarte sobre ditadura e política cultural de Bolsonaro

Mais de 500 personalidades da cultura brasileira, entre os quais Caetano Veloso e Chico Buarque, vieram condenar publicamente as polémicas declarações da secretária de Cultura do país.

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Artistas que assinaram manifesto sublinham que Regina Duarte não os representa Reuters/ADRIANO MACHADO

Mais de 500 artistas brasileiros, entre os quais Caetano Veloso e Chico Buarque, assinaram um manifesto de repúdio às declarações de Regina Duarte, depois de a secretária nacional da Cultura nomeada por Jair Bolsonaro ter minimizado as mortes provocadas pelo novo coronavírus e a tortura da ditadura militar.

No documento, divulgado a 9 de Maio, escritores, músicos, produtores e intelectuais defendem a democracia e a “independência das instituições”, da mesma forma que rejeitam a “tortura” praticada durante o regime que subsistiu no Brasil entre os anos de 1964 e 1985.

Um dia antes da publicação do manifesto, Regina Duarte, responsável há dois meses pela pasta da Cultura no governo de Jair Bolsonaro, fez referências aos assassinatos praticados durante a ditadura militar e minimizou as mortes de artistas infectados com covid-19. Numa entrevista concedida à CNN Brasil, a secretária nacional da Cultura afirmou que “é preciso olhar para o futuro”, “amar o país” e não “​colectar coisas que aconteceram nas décadas de 1960, 1970 e 1980”.

“Sempre houve tortura, censura”, afirmou, numa conversa em que cantou partes de Pra Frente Brasil, música escrita para acompanhar a selecção de futebol na conquista do Mundial de 1970 que, com o passar do tempo, acabou por adquirir uma conotação política, ficando associada ao período da ditadura militar. “Não era gostoso cantar isso?”, atirou.

Em relação ao novo coronavírus, Regina Duarte disse que a pandemia trouxe uma “​morbidez insuportável” ao país, antes de sublinhar que “quem fica arrastando fileiras de caixões não vive”. Criticada por não ter emitido nenhuma nota de pesar numa altura em que várias personalidades da Cultura brasileira morreram devido à infecção por covid-19, a ministra adiantou que não ia “virar obituário”. “Vocês estão desenterrando mortos, vocês estão carregando um cemitério nas costas”, frisou.

As declarações da secretária geraram uma onda de críticas de vários sectores da sociedade, culminando na publicação do manifesto. “Somos parte da maioria que entende a gravidade do momento em que vivemos, pelo que pedimos respeito pelos mortos e por aqueles que lutam pela sobrevivência num país devastado pela pandemia e pela terrível ineficácia do poder público”, escrevem os artistas.

Os subscritores acrescentam que não toleram “crimes cometidos por nenhum Governo”, repudiam “corrupção e tortura” e não querem “o retorno da ditadura militar”, antes de referirem que não conseguem sentir-se representados pela secretária da Cultura.

Os músicos Rita Lee, Emicida e Fafá de Belém, os escritores Luiz Fernando Veríssimo, Julian Fuks e Ignácio de Loyola Brandão, o realizador Fernando Meirelles, os actores Adriana Esteves, Fabio Porchat, Malu Mader, Marieta Severo e Zezé Motta, a jornalista Marília Gabriela, a antropóloga Lila Schwarcz e o encenador Zé Celso estão entre os 512 signatários iniciais, aos quais, segundo a Folha de São Paulo, já se juntaram mais de cinco milhares.

Além do manifesto, muitos artistas também escreveram críticas a Regina Duarte nas redes sociais. “Se recusar a ouvir uma opinião contrária logo depois de enaltecer os tempos de ditadura me causa muito medo. Até porque eu e muitos dos meus amigos seríamos os primeiros censurados caso esse regime voltasse ao Brasil e nós continuássemos no exercício do nosso trabalho”, escreveu a cantora Anitta num comentário no Instagram de Regina Duarte.

Débora Bloch partilhou a entrevista nas redes sociais, com uma legenda crítica à gestora da política cultural brasileira. “Você não tem humanidade, Regina Duarte? Que vergonha, que horror, que triste...”, escreveu a actriz, que, nos comentários, foi apoiada por outras personalidades de renome, como Miguel Falabella, Mel Lisboa, Fernanda Abreu, Martnália e Dira Pais.

Desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência, em Janeiro de 2018, o Governo brasileiro está a mudar as directrizes da política cultural do país, tendo escolhido pessoas que se declaram como conservadoras para a gestão do sector. Antes de Regina Duarte assumir o cargo, a tutela havia sido entregue a Roberto Alvim, um encenador que acabou demitido depois de citar parte de um discurso do ex-ministro nazi Joseph Goebbels num vídeo criado para anunciar as regras de um prémio.