Investigadores portugueses modificam anfetamina para perda de peso sem efeitos secundários
Testada em ratinhos, a nova anfetamina para perda de peso não entra no cérebro.
Um grupo de investigadores portugueses modificou uma anfetamina direccionada para o tratamento da obesidade para que esta não entre no cérebro, evitando assim os efeitos secundários, anunciou o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras.
Com esta modificação da anfetamina, “o tratamento para a obesidade ganha nova esperança”, porque passa a ser possível “queimar gorduras com anfetaminas que não entram no cérebro, nem têm efeitos secundários prejudiciais”, lê-se num comunicado do IGC divulgado esta terça-feira.
“Historicamente, medicamentos semelhantes a anfetaminas, como a fentermina aprovada pela FDA [Food and Drug Administration, agência federal dos Estados Unidos], têm sido alguns dos medicamentos antiobesidade mais popularmente prescritos”, refere-se. Estes compostos actuam no cérebro suprimindo o apetite, mas, além de provocarem dependência, ainda podem ter efeitos secundários perigosos, como aumento da frequência cardíaca, hipertensão ou hipertermia.
O estudo com a nova anfetamina para perda de peso, modificada pela equipa de Ana Domingos, investigadora principal do IGC e professora associada da Universidade de Oxford (Reino Unido), juntamente com Gonçalo Bernardes, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular (IMM, em Lisboa) e professor associado da Universidade de Cambridge (Reino Unido), foi publicado na revista norte-americana Cell Metabolism.
“Sempre se pensou que os efeitos nocivos da anfetamina no sistema cardiovascular eram resultado de uma estimulação directa dos próprios nervos simpáticos cardíacos, e não de uma acção central no cérebro, onde sabemos que actua, por exemplo, para suprimir o apetite”, destacou Ana Domingos, vincando ainda que isto acontece, “apesar da falta de evidências experimentais que favoreçam um mecanismo em detrimento do outro”.
Estes investigadores suspeitaram de que os efeitos cardíacos das anfetaminas poderiam ter origem cefálica, colocando a hipótese de desenvolver um fármaco semelhante, mas que não atravessasse a barreira hematoencefálica, podendo assim evitar os efeitos secundários, mas retendo a acção antiobesidade.
Para testar esta hipótese, anexaram cadeias poliméricas de polietilenoglicol (PEG) à anfetamina, um processo conhecido como peguilação. “A peguilação é frequentemente usada para mascarar fármacos do reconhecimento pelo sistema imunitário ou para aumentar o tamanho hidrodinâmico das moléculas alterando sua distribuição pelo corpo”, explicou Gonçalo Bernardes.
Através deste processo, os investigadores criaram uma anfetamina peguilada, de maiores dimensões do que a original, à qual chamaram de Pegyamph, concebida para não penetrar a barreira hematoencefálica, “o que foi comprovado pela verificação da sua ausência no cérebro de ratinhos tratados com este fármaco e que, consequentemente, não apresentavam supressão alimentar nem um aumento da locomoção”.
Esta ausência de efeitos comportamentais é uma confirmação adicional de que a Pegyamph não é mesmo capaz de atravessar a barreira hematoencefálica, sublinha o comunicado do IGC.
A equipa usou ainda diferentes vias de administração (intracerebral e periféricas) para confirmar que os efeitos cardiovasculares das anfetaminas são de facto originários do cérebro. Constou-se que ambos os fármacos, se administrados directamente no cérebro, induziam efeitos cardiovasculares. Por outro lado, e ao contrário da anfetamina, estes efeitos secundários nocivos desaparecem quando a Pegyamph, que não actua no cérebro, é administrada sistemicamente por via periférica.
“O novo fármaco tem várias vantagens relativamente aos tratamentos existentes baseados em anfetamina para perda de peso”, vinca ainda o IGC. Por exemplo, pelo facto de não ultrapassar a barreira hematoencefálica, a Pegyamph não é viciante e também não afecta a função cardiovascular, evitando os efeitos secundários prejudiciais que as anfetaminas podem causar.