Cáritas e Banco Alimentar preocupados com aumento da pobreza “envergonhada” e do desemprego

Desde Março, houve mais cem mil pessoas a pedirem auxílio de alimentação às duas instituições. Eugénio da Cruz Fonseca pede mudanças temporárias para agilizar critérios de atribuição de apoios sociais e Isabel Jonet apela às empresas que não despeçam trabalhadores.

Fotogaleria
LUSA/MIGUEL FIGUEIREDO LOPES
Marcelo Rebelo de Sousa
Fotogaleria
LUSA/MIGUEL FIGUEIREDO LOPES

A Cáritas e o Banco Alimentar Contra a Fome foram nesta segunda-feira a Belém mostrar preocupação ao Presidente da República com o aumento dos pedidos de apoio de alimentação desde o início da pandemia – 48 mil pessoas à primeira, 59 mil ao segundo. A crise não tem fim à vista, o desemprego poderá disparar dentro de meses, e os apoios sociais não chegam aos novos pobres, alertaram Eugénio da Cruz Fonseca e Isabel Jonet.

O cenário é complicado: se no final de Fevereiro os bancos alimentares apoiavam cerca de 380 mil pessoas através de uma rede de 2600 instituições, desde 20 de Março até agora a rede de bancos alimentares recebeu pedidos de apoio de mais 59 mil pessoas. Desde o início da pandemia o Banco Alimentar Contra a Fome lançou a rede de emergência alimentar em parceria com as instituições que estão no terreno e autarquias para fazer chegar apoio a todo o território.

“Desde o início de Abril e agora em Maio tivemos muitos, muitos pedidos. É incrível ver todos os dias mais mil pedidos, é constrangedor. Um pedido não é uma família, podem ser 30 ou 150 pessoas porque pode vir de uma instituição”, descreveu Isabel Jonet à saída da audiência com Marcelo Rebelo de Sousa.

A responsável pelo Banco Alimentar vincou que há uma “transversalidade no impacto desta pandemia na sociedade e em todas as profissões que nos obriga a um olhar mais dedicado. A covid acabou por criar novos pobres. “Há pessoas que tinham uma vida totalmente equilibrada do ponto de vista de rendimentos e de capacidade de assegurar a sua autonomia e que ficaram de repente sem qualquer rendimento”, descreveu a presidente da rede de bancos alimentares. “São pessoas que não estavam habituadas nem nunca imaginaram ficar nesta situação; não estavam habituadas a depender de ajudas e nem sequer têm direito a apoios (...) Há aqui até uma pobreza envergonhada que nasceu agora entre pessoas para quem recorrer a uma instituição social é algo estranho.”

Com o impedimento de fazer uma campanha da Primavera de recolha de alimentos presencial nos hipermercados, o Banco Alimentar vai fazer uma campanha só de vales. E com o aumento das dificuldades económicas um pouco por toda a sociedade, a instituição admite que a recolha seja menor. Para isso, o Banco pediu apoio às cadeias de distribuição e à indústria agro-alimentar - nas primeiras semanas até recebeu muitos produtos frescos porque os restaurantes fecharam e havia produção para escoar - mas também a fundações e empresas que possam dar donativos usados depois na compra de alimentos. "Estamos a comprar e a angariar produtos para que nada falte na mesa”, disse Isabel Jonet.

O aumento dos pedidos de apoio e a redução das contribuições que o Banco Alimentar recebe podem levar a dias complicados. “Se calhar não se pode dar tanta quantidade de produtos como estavam a ser distribuídos. As pessoas são mais e as quantidades [disponíveis] são as mesmas. Aquilo que é importante é que todas as pessoas tenham comida em cima da mesa para que não desesperem”, aponta o rosto do Banco Alimentar. Isabel Jonet defende que o mais importante “é preservar o emprego para que as famílias tenham alguma remuneração para levar para casa no fim do mês e abrir [os apoios] às profissões” liberais e até abrir as feiras embora com os cuidados de saúde.

As zonas mais afectadas são a grande Lisboa, Setúbal, Porto, Braga e o Algarve, enumerou. Isabel Jonet admite que ainda se vão viver “tempos muito difíceis” nos próximos meses. “O meu grande receio é a situação de desemprego após os layoff. Tenho feito apelo às empresas para que não despeçam trabalhadores e preservem o emprego.”

Outono será difícil, alerta a Cáritas

O presidente da Cáritas Portuguesa gostaria de ver alteradas as condições de acesso e metodologia dos apoios sociais como o RSI – Rendimento Social de Inserção para facilitar o acesso às famílias que pedem ajuda às instituições sociais. Porque actualmente há famílias a precisar de apoio mas que não reúnem os critérios para aceder, como o de não ter tido rendimentos nos três meses anteriores. À saída da audiência em Belém, Eugénio da Cruz Fonseca lamentou que os pedidos de apoio estejam a demorar 45 dias para serem aprovados.

Eugénio Fonseca contou que nestas semanas houve pelo menos 48 mil pessoas que pedira ajuda à Cáritas pela primeira vez, o que significa um crescimento de 40% quando comparado com o ano passado. “Uma novidade desta crise em relação à anterior é que as pessoas vinham procurar-nos para apoio para encontrarem um novo posto de trabalho, ao passo que agora vêm pedir alimentação, que é um dos bens mais primários que pode haver para a subsistência das pessoas”, contou.

A Cáritas planeou disponibilizar 130 mil euros para apoios – 100 mil para alimentação e 30 mil para outros apoios como pagamento de água, luz ou gás – até Junho a duas mil pessoas, ou seja, cerca de 500 famílias, no entanto o presidente já sabe “que não vai lá chegar porque a procura é muita”. O valor vem de fundos próprios da instituição mas esta prevê fazer uma campanha de recolha de apoios em breve, admitiu o presidente.

Eugénio Fonseca lamenta que não seja possível prever quando a crise passará e estima uma “agudização do desemprego” no Outono e Inverno. “A crise vai ser grande e gostaríamos que se começasse já a pensar em medidas de desenvolvimento fazendo com que as pessoas comecem a equacionar novos projectos de vida para que estas medidas de assistência social não se reduzam depois à casuística e não fiquem no assistencialismo o que é altamente desmotivador para a recuperação.”

Sugerir correcção