António e Isabel já viram os netos, Alice não vê a hora de os reencontrar

O convívio entre avós e netos pode regressar mas com todas as cautelas, apela a Direcção-Geral da Saúde. Os escritores Alice Vieira, António Mota e Isabel Stilwell partilham as suas experiências de quarentena.

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Durante quase dois meses, os avós e netos não puderam ver-se Christian Bowen/Unsplash

Foi na terça-feira passada que o escritor António Mota abraçou o neto, depois de dois meses afastados por causa do estado de emergência. O menino perguntou-lhe: “Oh avô e agora como é que vai ser? Dá-me colo!”, conta, emocionado. Na sexta-feira foi a vez da jornalista Isabel Stilwell. Já Alice Vieira conta os dias para abraçar os netos. Além de serem avós, em comum e para enganar a saudade, os três decidiram escrever sobre a experiência de confinamento, por causa da pandemia de covid-19.

Em meados da semana passada, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, defendia que o convívio entre avós e netos dependia do “tipo de avós de que estamos a falar”. Se os avós forem jovens e sem factores risco, pode haver convivência, mas se tiverem uma idade avançada e doença associada, já há risco acrescido e, por isso, deve haver distanciamento social, higienização das mãos, etiqueta respiratória e utilização de máscaras, recomendou. 

“Abracei o meu neto Santiago, de 4 anos. Foi duro o reencontro e fiquei em lágrimas”, começa por contar António Mota, ao PÚBLICO, momentos depois de ter estado com o neto, em Leça da Palmeira, Matosinhos. “Ainda estou a digerir a experiência de o voltar a ver”, continua o autor que esteve em quarentena e em isolamento na sua casa em Baião, desde Fevereiro, depois de participar no festival literário Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim.

Também o reencontro de Isabel Stilwell com quatro dos oito netos foi muito emotivo. “Foi o meu presente de anos”, conta, confessando que, nos dias anteriores, andava muito ansiosa. Ao telefone, os netos diziam-lhe: “Avó, falta pouco.” E a autora fazia a contagem decrescente, entusiasmada como uma criança. Finalmente o dia chegou e “os primeiros momentos foram de abraços e de grande emoção”, conta, comovida, revelando que “foi uma sensação fantástica sentir toda aquela cumplicidade” com as duas gémeas de 9, outra neta de 5 e o menino de 2 anos, filhos de Ana, com quem troca as cartas que são publicadas no PÚBLICO, um diário da quarentena a que chamaram Birras de Mãe. Só lamenta por não rever todos os netos. Mas, “é uma sensação tranquilizadora ter a casa cheia e ouvir as vozes deles”, desabafa. 

Neste regresso, as relações entre as duas gerações não são as mesmas, prognostica Renata Benavente, da Ordem dos Psicólogos. “A relação entre netos e avós será diferente no imediato. Mas não significa que tenha impacto a médio e longo prazo”, avalia. 

No caso de António Mota, as saudades do neto eram tantas que, um dia, começou a escrever-lhe cartas e a publicá-las na sua página de Facebook. “É o meu diário de bordo nesta pandemia, pela perspectiva do avô que está a tentar explicar ao neto as coisas e lhe dá esperança”, descreve. Ao todo foram 41 mensagens onde o autor falou de um quotidiano condicionado por causa do “bicho mau com picos e uma coroa”. O escritor estava longe de saber a repercussão que as crónicas iriam atingir “com imensas pessoas a ler” e a recomendar que as editasse em livro — o que vai acontecer num futuro próximo, “serão publicados pela editora Leya”, anuncia. 

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António Mota e o neto Santiago no primeiro reencontro, depois do confinamento DR

Embora Santiago ainda não saiba ler, os pais davam-lhe conta das histórias do avô, diariamente. E quando, na terça-feira, António Mota tocou três vezes à porta, o menino já sabia que eram os avós. “Até me perguntou: ‘Oh avô, tu és escritor?’” 

Saudades dos beijos e abraços

“O que mais me custa é o afastamento, não andar aos beijos e abraços aos meus netos, o estarem longe”, desabafa Alice Vieira, que sente ainda falta do ritual de jantar, duas vezes por semana, com um dos netos que estuda em Lisboa. Não é por serem mais velhos que a escritora tem menos saudades deles. “Uma tem 25, é cientista num laboratório em Cambridge; outro tem 21 e vai ingressar na universidade em Chicago; outro tem 20 e a mais nova tem 15 anos”, resume. Sempre que pode, a autora engana as saudades com videochamadas, “mas não é a mesma coisa”, desabafa.

Também Isabel Stilwell diz que, por muitas videochamadas que faça, nada se compara ao contacto físico. A jornalista até brincou ao jogo da memória com a neta de 5 anos e simulou com as mais velhas umas compras online, mas “é muito importante olharmos para a cara uns dos outros e vermos as expressões”, explica. 

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Isabel e Ana Stilwell, com o filho mais novo ao colo. A autora tem oito netos DR

Durante a quarentena, António Mota falou com o neto por videochamada, mas não era a mesma coisa. “Faltava o cheiro dos meus filhos e do meu neto.” Além disso, Santiago também “nunca queria estar muito tempo ao telefone”, conta o escritor que tem “noção de que muita gente está a passar pelo mesmo”.

“O toque e o contacto físico são muito importantes”, constata a psicóloga Renata Benavente. O afastamento “tem sido particularmente difícil para os mais velhos que tinham rotinas de ajudar os filhos, iam buscar os netos à escola”, exemplifica. Não havendo o contacto físico, é importante “os avós sentirem que são queridos e amados” para que não pensem que foram abandonados pelos familiares. As videochamadas, ir vê-los à janela ou fazer um desenho para lhes entregar são algumas das soluções para manter a relação entre avós e netos, aconselha. 

O psicólogo da educação José Morgado é daqueles avós que vai buscar os netos, de 4 e 6 anos, à escola para os levar às actividades e ainda não sabe quando e como será o reencontro. “Estou cheio de vontade, ansioso, de estar com eles. Mas tenho de ponderar e avaliar o risco, ter alguma informação que o permita fazer em segurança”, responde. “Tenho de acautelar porque sinto que é um dever ético e afectivo protegê-los e a nós.”

Para se manter ocupada, Alice Vieira tem escrito durante a pandemia, a quatro mãos, com a amiga Manuela Niza, as crónicas Pó de arroz e janelinha. “É a história das pessoas que vivem num prédio e que vão à janela. Temo-nos divertido tanto!”, diz, revelando que os textos podem chegar ao prelo. Curioso é que não se sabe quem escreve o quê porque as autoras não assinam os textos, mas um dos netos de Alice Vieira já descobriu alguns dos seus textos, confidencia. “Os mais velhos acham muita graça, riem-se.”

Como se gerem as saudades? José Morgado responde que “depende do tipo de relação que se tem com os netos”. “No meu caso, custa um bocadinho”, admite o professor do ISPA, em Lisboa. “Tinha uma relação muito próxima com os meus netos, que se hipotecou”, lamenta. Isabel Stilwell não tem dúvidas: “A saudade é uma coisa que dói. Como se o ar que entrasse, não saísse, houvesse um corte na respiração quando pensamos nela.” A autora revela que a covid-19 “trouxe esta sensação de que, de um momento para o outro, podemos morrer”.

Alice Vieira, que está a terminar a biografia do padre António Vieira, relembra os tempos em que os netos eram pequenos e simulavam telejornais, tomavam banhos na sala como se estivessem na praia. “Divertíamo-nos imenso quando estamos uns com os outros. Nunca fui uma avó muito convencional. A casa da avó é um espaço para se divertirem”, afirma. 

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Alice Vieira e os quatro netos DR

Depois das recomendações de afastamento, José Morgado ainda chegou a ver os netos de longe, mas “é um sabor um bocadinho amargo, porque dá vontade de estender o braço e não se pode”. Isabel Stilwell sente a falta de muitas coisas, sobretudo de os ver crescer: “Porque o tempo que estamos com eles não se repete e estamos a perder o seu crescimento.”

A psicóloga Renata Benavente constata que os avós estão angustiados e ansiosos, mas “voltando às rotinas normais, as relações também vão voltar ao normal”, espera.

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