Covid-19: circuitos separados marcam regresso à “normalidade” no Hospital São João

Até quarta-feira, o hospital fez 33.601 testes ao novo coronavírus. Agora, começam a ser chamados outros doentes, sobretudo os prioritários e os que estavam em lista de espera. Mas há quem recuse por ter medo da doença causada pelo novo coronavírus.

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Circuitos separados, uma unidade de recobro “devolvida” ao bloco operatório central e o recuo da triagem de urgência criada para doentes covid-19 são algumas das mudanças que marcam o “regresso à normalidade” no Hospital de São João (HSJ), Porto.

Mais de dois meses depois de o primeiro caso de covid-19 ter sido detectado em Portugal, na região norte, até quarta-feira o Hospital de São João tinha realizado 33.601 testes ao novo coronavírus. Mas a normalidade é para regressar e, naquele dia, uma das 12 salas cirúrgicas recebeu um doente que precisava de fazer uma cirurgia de transposição de nervo para que a mão direita ganhasse mais mobilidade.

“De forma simples, trata-se de desfazer aderências dos tecidos à volta dos nervos”, explicou à agência Lusa a directora do Bloco Operatório Central (BOC), Susana Vargas, à porta de uma sala de cirurgia que agora começa a receber “outro tipo de doentes que não só os doentes prioritários”.

A responsável por um serviço que conta com 74 enfermeiros e 27 assistentes operacionais chegou a ter, desde Março, “apenas um quinto da capacidade total de meios”, portanto, “agora, para chegar à capacidade total”, as contas são simples: “Temos de fazer cinco vezes mais”, sintetizou.

Recusa de doentes

Susana Vargas garante que o pico da pandemia nunca fez parar o bloco operatório do hospital, porque “os doentes oncológicos muito prioritários” continuaram a ser operados, mas admite que “o movimento operatório estava reduzido ao estritamente essencial” e que “só agora começou a haver margem de manobra para chamar outro tipo de doentes, também eles prioritários e em lista de espera”.

“Agora estamos a chamar doentes, alguns deles também oncológicos, mas que tinham uma janela de terapêutica mais longa, o que permitia esperar mais algum tempo, e os doentes não oncológicos, mas que pela sua patologia estão a sofrer. Mas há doentes que têm medo da doença [do novo coronavírus] e recusam. O que lhes dizemos é que devem vir, devem aproveitar a oportunidade. Nós não sabemos como é que vai evoluir novamente a epidemia e nós não os chamaríamos se não considerássemos que temos todas as condições de segurança para operar”, refere a directora do BOC.

A recusa de doentes em voltar ao hospital é transversal a outros serviços. Xavier Barreto, director do Centro de Ambulatório, sabe que têm ocorrido faltas a consultas e tratamentos. E Cristina Marujo, directora do Serviço de Urgência (SU), tem registado cerca de menos 100 doentes por dia face a período igual em 2019, ano pré-pandemia em que a média diária foi de 460.

“Espero que seja por a mensagem [de que devem primeiro recorrer aos cuidados de saúde primários] já estar a passar. É possível que ainda exista receio dos circuitos, mas prefiro, acredito que não. As pessoas, apesar de tudo, perceberam que as coisas funcionaram bem e estão a funcionar bem”, afirmou à Lusa.

Para a directora do SU, a covid-19 veio “mostrar que não é possível manter serviços de urgência apinhados, seja no HSJ seja em qualquer lado”. Cristina Marujo alerta que, não sendo possível redimensionar as áreas dos hospitais com obras em todas as instituições e existindo escassez de profissionais, “tem de ser a própria população a perceber que aos hospitais de fim de linha só deve recorrer quem tenha queixas graves”.

Por esta razão, Cristina Marujo usa a expressão regresso a uma “normalidade positiva”, a uma “normalidade” que reflecte a aprendizagem e adaptação que a pandemia está a gerar quer nos hospitais, quer na sociedade.

É esta mesma aprendizagem e adaptação que leva Susana Vargas a admitir que, no futuro, as infecções hospitalares podem diminuir graças às novas rotinas de higienização de mãos e de uso de equipamentos de protecção individual.

O BOC do HSJ tem esta semana 145 cirurgias agendadas para seis salas. Para a semana abre mais uma. No mês de Abril, até agora o mais crítico da pandemia, foram operados, em média, três doentes por sala por dia e estiveram apenas três salas abertas.

“É verdade que não se operava porque os enfermeiros estavam fora daqui. Os enfermeiros que trabalham num bloco operatório são altamente diferenciados, são instrumentistas, enfermeiros de anestesia, enfermeiros habituados a lidar com doente crítico e, portanto, não requerem muito tempo de integração em outros serviços. Mas também só se operava o estritamente necessário. O internamento estava condicionado”, analisa.

Sala de recobro devolvida 

Condicionada esteve também uma sala de recobro, separada do BOC por um corredor onde ainda permanecem no chão fitas – verde de “zona limpa” ou “não-covid” e amarela de “zona suja” ou “covid –, que foi transformada em unidade de cuidados intensivos para doentes infectados com o novo coronavírus.

Devolvida à função de unidade pós-anestésica, a sala regressou à missão original com três novos ventiladores, um grande pormenor positivo que emerge de uma realidade negativa que é a pandemia.

Já na urgência, o pormenor positivo actual é a média de doentes que nos últimos dias tem chegado com suspeita covid-19: cinco ou seis dezenas por dia, em comparação com as cerca de três centenas que chegavam no período de pico.

“Ainda é um número significativo, mas é um número gerível. Se voltar a crescer temos de reformular e a triagem volta a ser feita à frente. Doentes potencialmente positivos [covid-19] não chegavam sequer a este sector mais tradicional da urgência”, descreve Cristina Marujo.

Em causa está a “triagem avançada” que foi “para já” desmobilizada e que consistia na presença de um enfermeiro a montante do SU que falava com todas as pessoas que se dirigiam ao hospital, separava todos os carros e todas as ambulâncias e orientava imediatamente os doentes para as áreas respectivas de atendimento.

Essa desmobilização resulta da diminuição dos números covid-19 e da necessidade de alocar recursos humanos a áreas onde, na tal retoma à “normalidade positiva”, são mais necessários.

Paralelamente aos circuitos diferenciados e às medidas obrigatórias, como o uso obrigatório de máscara ou a higienização de mãos, no hospital agora são testados à covid-19 “todos os doentes que vão para internamento, seja médico ou cirúrgico”, frisou Xavier Barreto.

“E só seguem para internamento na sequência do resultado para garantirmos que é um doente negativo ou que é inserido na estratégia covid”, concluiu.