Covid-19: Índia volta a fechar lojas de álcool por causa das filas gigantescas
No início do confinamento, Modi proibiu a venda de álcool e os estados, que dependem dele para se financiar, protestaram. Mas os clientes, sedentos, que levaram incenso e fizeram orações para celebrar a reabertura, transformaram as portas das lojas em zonas de risco.
Uma hora, duas horas, seis horas — as lojas de bebidas alcoólicas, que reabriram na segunda-feira na Índia, estiveram escasso tempo de portas abertas. As filas gigantescas e sobretudo compactas às portas obrigaram as autoridades a decretar que fossem de novo encerradas, e a polícia usou bastões para dispersar os clientes que teimavam em não arredar pé.
“Estamos há um mês na solidão”, disse à AFP Asit Banerjee, de 55 anos, desempregado como milhões de indianos trabalhadores informais que, quando a actividade parou, no dia 24 de Maio, ficaram sem subsistência. “O álcool vai dar-nos energia para manter o distanciamento social durante a pandemia”.
Estes milhões de trabalhadores informais ficaram presos nas grandes cidades, depois de ter sido decretada a proibição de viajar, o que os impediu de se refugiarem da pandemia nas suas zonas de origem, junto das famílias que os podiam ajudar.
A loja onde Banerjee foi ouvido pela agência noticiosa francesa, em Nova Delhi, foi fechada pouco depois de abrir. O mesmo aconteceu por todo o país, diz a Al-Jazeera, que dá conta de cenas idênticas de norte a sul da Índia.
No estado de Karnataka, no sudoeste, por exemplo, e segundo a BBC, formaram-se longas filas às primeiras horas da manhã, quando faltava ainda muito para as lojas abrirem.
“Não tenho mesmo nada para fazer em casa”, disse à AFP Deepak Kumar, de 30 anos, enquanto esperava pacientemente na fila de uma loja em Delhi.
Outro cliente, Sagar, de 25 anos, conseguiu comprar álcool e disse que estava na fila desde as 7h30 da manhã - teve sorte, nesta terça-feira, e para evitar aglomerações futuras, o estado de Nova Deli criou uma taxa de 70% sobre as bebidas alcoólicas. “Estavam 20 ou 25 pessoas na fila. E a loja abriu cedo. Deixavam entrar cinco pessoas de cada vez, mas fecharam. Só esteve duas horas aberta”, lamentou.
O Hindustan Times relata que um vídeo divulgado pela agência ANI mostra uma fila de quase um quilómetro numa rua de Nova Deli. O jornal diz que, no caso, os clientes mantinham a distância entre eles, mas que a loja foi encerrada porque chegava cada vez mais gente.
O encerramento deveu-se também à circunstância de as filas se tornarem zonas de risco de transmissão. Nas lojas de Pune, no estado de Maharashtra e um dos epicentros da pandemia na Índia, as filas tinham centenas de pessoas, diz o Hindustan Times que dá conta de, em algumas regiões, os clientes terem realizado “orações especiais”, levado flores e incenso para celebrarem a reabertura das lojas de bebidas alcoólicas.
Oficialmente, e proporcionalmente, a Índia (1,3 mil milhões de pessoas) tem poucos casos de covid-19: 42.500 infecções declaradas e 1400 óbitos. O encerramento das actividades provocou danos na terceira economia da Ásia que o primeiro-ministro, Narendra Modi, tenta atenuar, com um processo de desconfinamento que permitiu a retoma de algumas actividades desde segunda-feira. Algumas fábricas reabriram, algumas lojas tiveram permissão para retomar a normalidade. Mas mantendo regras que têm sido difíceis de aplicar na Índia, sobretudo o distanciamento social.
E os estados pediam a reabertura das lojas de bebidas alcoólicas — Modi decretou que não se venderia álcool durante o confinamento —, a origem de parte importante dos impostos estaduais. Estima-se que os impostos do álcool injectem sete mil milhões de rupias nos cofres dos estados (84 milhões de euros).
“O álcool é uma grande fonte de receitas para todos os estados”, disse Amarinder Singh, o governador do Punjab. “Como vou compensar esse buraco? Os de Delhi vão-me dar esse dinheiro, eles que nem dão uma rupia?”, perguntou o governador que pertence ao Partido do Congresso, que está na oposição nacional (o país é governado pelo partido nacionalista hindu de Modi).
Em Nova Delhi, em Karnataka, no Utar Pradesh (Norte), os clientes festejaram. Depois, frustrados, revoltaram-se quando as lojas foram encerradas. A polícia respondeu com bastões para dispersá-los — tem sido uma constante no país para quem quebra a quarentena. Porque, em muitos locais, e apesar do encerramento, muita gente tentou manter-se perto das portas, à espera que voltassem a abrir.