O labor das mulheres das secas está agora perpetuado num mural

Artista plástico está a desenvolver um conjunto de pinturas, na Gafanha da Nazaré, para homenagear as trabalhadoras que labutavam salga e secagem do bacalhau.

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Adriano Miranda
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A escritora Maria Lamas retratou-as no livro As mulheres do meu país, descrevendo-as como “desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse”. No fundo, é também essa imagem que António Conceição vai passando através da pintura: mulheres que sorriem enquanto estendem o bacalhau ao sol, “trabalhadoras repletas de energia e alegria”. Mais do que um retrato do que foi o labor das mulheres das secas, o artista plástico pretende prestar-lhes uma “justa homenagem” no mural que está pintar no pilar do viaduto que dá acesso ao Cais dos Bacalhoeiros, na Gafanha da Nazaré. O convite partiu de um empresário do sector bacalhoeiro e António Conceição não tardou a aceitá-lo.

Depois de realizar algum trabalho de pesquisa, o artista, de 50 anos, natural do Mindelo, Cabo Verde, começou a dar largas à criatividade, passando para a parede a sua interpretação da labuta que, no passado, animou aquela zona do município de Ílhavo. “Daquilo que fui falando com algumas mulheres que andaram na seca, percebi que elas tinham alegria no que faziam, têm saudades desses tempos”, testemunha.

A residir em Portugal desde 2000 – veio estudar Belas Artes para o Porto e acabou por ficar a trabalhar e a morar no nosso país -, António Conceição já assinou outros trabalhos de arte urbana na região. Um dos seus favoritos está instalado em frente à estação de comboios, em Aveiro; um dos mais vistosos está instalado não muito longe deste novo mural e retrata dois ursos a pescar. “Tem 10 metros de altura por cerca de 25 metros de comprimento”, nota, a propósito do painel criado para a empresa de comercialização de produtos alimentares que o está agora a patrocinar no mural das mulheres das secas de bacalhau.

“Estão a pagar todos os materiais e também o meu trabalho”, garante o artista que também chegou a dar aulas de educação visual. “Com a crise, deixei de ser colocado, com muita pena minha pois gostava muito de ensinar”, desabafa António Conceição.

Resistir até ao fim

Leonardo Aires é o empresário que está por detrás da criação dos dois murais de arte urbana que vão dando cor à zona do Cais dos Bacalhoeiros. Hoje, é detentor da empresa Frigoríficos da Ermida, produtora de migas de bacalhau, mas, no passado, chegou a ter uma grande seca de bacalhau. “Resisti até à última. Até a GNR entrar por aqui adentro e apreender o produto todo”, testemunha, recusando os argumentos que deram por terminada a secagem natural do bacalhau. “Há muitos interesses à volta disto. O sol e o vento não gastam energia eléctrica”, critica.

O empresário ainda insistiu mais um pouco. “À segunda vez que apareceu a polícia, e voltou a apreender o peixe, percebi que não dava mesmo para continuar a secar o bacalhau ao natural”, recorda. Os estendais que serviam para colocar o peixe ao sol desapareceram por completo da paisagem. Restam as fotos e as memórias desses tempos não tão longínquos assim. E também este novo mural ao qual Leonardo Aires gostava de dar continuidade. “Queremos recriar outras actividades ligadas ao bacalhau”, desvenda, estimando ter ali projecto para mais uns quantos meses.

Material para trabalhar não lhes falta, confirma António Conceição em declarações ao PÚBLICO. “Vêm aqui muitos antigos pescadores ter comigo e dão-me ideias para pintar. Querem que eu retrate o foquim, marmita que eles usavam nos dóris para levar pão, azeitonas e peixe frito”, relata. “As antigas trabalhadoras das secas também vão passando e deixam comentários agradáveis”, acrescenta.

Mais do que agradecer as dicas, o artista plástico confessa-se rendido a este “contacto directo” com as pessoas que a arte urbana lhe permite. “Esta partilha entre artista e público é algo de que gosto muito”, confessa, comparando a sensação de trabalhar ao vivo, nas ruas, à de pintar fechado num atelier, para depois expor numa galeria. 

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