Na Alameda, gritou-se contra a precariedade com lugar marcado e de máscara na cara
Na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, a CGTP defendeu-se das críticas e justificou a presença nas ruas. Já a UGT preferiu entrar em casa dos trabalhadores, através de criatividade do formato digital. Distantes na forma, as duas organizações sindicais passaram a mesma mensagem: os trabalhadores dizem não à austeridade.
Ao contrário da União Geral de Trabalhadores (UGT), que preferiu cancelar as iniciativas planeadas e concentrar a sua mensagem nas redes sociais para não colocar em risco os participantes das celebrações, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) levou o Dia do Trabalhador para as ruas. No tradicional discurso a partir da Alameda D. Afonso Henriques a secretária-geral da CGTP defendeu-se das críticas e insistiu na necessidade de levar “a luta à rua”. Já Carlos Silva preferiu apostar na presença digital e a UGT criou até um site só para celebrar o 1.º de Maio. Nas ruas ou em casa, a mensagem foi a mesma: os trabalhadores não querem uma repetição das soluções apresentadas na última crise.
No seu primeiro discurso comemorativo do Dia do Trabalhador enquanto líder da CGTP, Isabel Camarinha subiu ao palco sozinha, sem a habitual companhia dos restantes líderes sindicais. Dirigindo-se a mais de 500 manifestantes, a secretária-geral da CGTP recusou que a crise seja aproveitada para reduzir direitos dos trabalhadores e aplicar austeridade, considerando que há uma “ofensiva que já está em marcha”.
Isabel Camarinha defendeu-se das críticas que a organização sindical recebeu por não ter cancelado as acções de rua e afirmou que “era um dever” reunir dirigentes e activistas, independentemente da declaração do estado de emergência estar ainda em vigor. Para a secretária-geral, as críticas foram uma tentativa de silenciar a luta dos trabalhadores. “Alguns queriam calar-nos, mas não nos calamos.”
Apesar de a CGTP ter afirmado que não haveria o tradicional transporte de trabalhadores para as grandes concentrações, eram vários os autocarros em redor do espaço de concentração, uma vez que a organização sindical distribuiu um comprovativo que legitimava junto das autoridades as deslocações para fora do concelho de residência, para que pudessem marcar presença nas iniciativas.
Gritar de máscara na cara
De bandeiras no ar, a meia centena de manifestantes que ali se juntou recebeu o discurso com aplausos e palavras de luta (algumas gritadas através de máscaras), num encontro que ficou para a história por ter lugares marcados. É que para garantir o cumprimento do distanciamento social recomendado pelas autoridades de saúde, a organização distribuiu fitas de sinalização com um espaçamento de três metros para a esquerda e para direita e cinco metros para a fila da frente e para a de trás. Mas apesar do apelo para que os mais velhos (e as crianças) ficassem em casa, havia idosos no jardim da Alameda D. Afonso Henriques.
Jerónimo de Sousa, que fez questão de marcar presença no encontro, foi mesmo confrontado com a sua idade, 73 anos e questionado sobre o exemplo que estaria a dar à população mais velha, onde a taxa de mortalidade por covid-19 é maior. Mas o líder do PCP desvalorizou. “A idade não é um critério absoluto”, disse, antes de reconhecer que existem “mais idosos infectados”. “Continuo a dizer que coragem era há 47 ou há 48 anos em que se sabia que se ia para o 1.º de Maio com o risco de ser preso, perseguido ou marcado a tinta azul, o que era uma característica de prestígio. Mas nunca desistimos. Nem nas condições mais difíceis”, justificou.
“Era preciso afirmar Maio. Eu sou do tempo onde fazer Maio era difícil. Não havia o vírus, mas havia a repressão, a prisão e a perseguição”, lembrou o líder comunista. Por isso, a sua presença nas ruas, apesar do estado de emergência e dos apelos para que se evite os convívios sociais, era incontornável, considerou. “Há tanta coisa que há por fazer que se justifica plenamente esta presença e esta solidariedade.”
Jerónimo de Sousa ouviu a líder da CGTP queixar-se do “aproveitamento que alguns fazem do vírus para acentuar a exploração”, o que tem aumentado a precariedade laboral. Isabel Camarinha afirmou ainda que está em marcha uma “ampla campanha ideológica que pretende incutir que os direitos dos trabalhadores são inimigos da recuperação económica do país”.
Depois, a líder sindical argumentou que os trabalhadores “não estão condenados a anos e anos de sacrifícios, a uma recuperação lenta, a um processo doloroso que implicará mais austeridade, como é repetido insistentemente por muitos e admitido pontualmente por outros”.
Numa alusão às palavras do primeiro-ministro, sobre a solução de recuperação económica preparada pela União Europeia, Isabel Camarinha ironizou que a única bazuca que virá de Bruxelas será para colocar o país “refém” das decisões europeias. “Nós sabemos que dali [Bruxelas], as bazucas são sempre rápidas para atacar direitos e deixar o país mais dependente. Mas nunca se assumiram como elemento de libertação, progresso ou de crescimento”, declarou.
UGT pede a valorização aos trabalhadores na linha da frente
A partir de casa, o líder da UGT, Carlos Silva, não deixou de comemorar o dia, “tal como Portugal comemorou o 25 de Abril, ainda que de forma frugal, mas carregada de simbolismo”. Preparado para discursar a partir de Vila Real, em Trás-os-Montes, o líder sindical rapidamente se adaptou às circunstâncias da pandemia, “no respeito pela saúde dos portugueses, pelas regras das autoridades de saúde e pelo estado de emergência”. “Não podemos contemporizar com a propagação do vírus”, justificou no seu comunicado, distribuído em vários canais de comunicação.
Em vez de ir para as ruas, a UGT levou a luta até às casas dos trabalhadores. Num site criado exclusivamente para o 1.º de Maio em casa, a organização sindical reuniu vídeos com mais de 50 dirigentes sindicais, 20 uniões distritais e nove convidados.
O secretário-geral da UGT optou por centrar o seu discurso nos profissionais de saúde, “os ‘novos capitães de Abril’ pelos próprios Capitães de Abril de 74”. Carlos Silva lembrou que não têm rogado esforços, sem hesitações ou dúvidas, ainda que estejam sujeitos “a enorme pressão e sacrifícios, com a dor, o pânico da incerteza e da dúvida a minarem os seus espíritos”. Elogiou também “a bravura e coragem demonstrada por milhares de trabalhadores da área da economia social, em lares de idosos, misericórdias e IPSS”, todos trabalhadores “na maioria mal pagos e desvalorizados” e que “só nestes momentos de aflição são lembrados”.
Por isso, deixou um aviso: “Quando efectuaram greves cirúrgicas e os sucessivos governos não os atenderam, lembrem-se da sua entrega total a todos nós, quando foi preciso atender famílias, amigos ou a nós próprios”.
E ainda que o inimigo seja o vírus, Carlos Silva diz que não é altura de deixar cair os braços ou “desistir de reivindicar melhores salários, da negociação colectiva com resultados, da melhoria das carreiras profissionais de todos os trabalhadores dos vários sectores, público e privado”. Para o líder sindical, mas do que nunca, importa “estimular o diálogo social entre patrões e sindicatos”.
A solução não deverá passar pela austeridade, mas “por um caminho diferente que valorize o Estado social”, defendeu. Mas ao contrário da CGTP, o líder da UGT é mais optimista e declara a sua confiança a Bruxelas: “Temos a convicção de que finalmente, a Europa não irá faltar com o seu apoio”.