Parar para preparar o futuro
Quero propor um investimento numa reforma legislativa que permita aos advogados continuar a celebrar atos que são urgentes e determinantes, especialmente na fase que atravessamos, para ultrapassarmos esta situação. Queremos fazer reconhecimentos de assinaturas, termos de autenticação, procurações, documentos particulares autenticados, de forma segura, sem a presença dos intervenientes.
Vivemos tempos difíceis, estranhos, em que somos forçados a parar, que nos vão obrigar a encontrar novos equilíbrios, se queremos ultrapassar este período.
São tempos difíceis, porque estamos a ser confrontados com uma situação completamente nova, com dimensões ainda por determinar e com um impacto profundo nas nossas vidas. Tempos estranhos, porque nunca nos tinha sido pedido para nos afastarmos uns dos outros para nos protegermos e porque se pede uma união à distância; dois conceitos que, à partida, não faz sentido coexistirem. Obrigados a parar, porque as cidades estão vazias, as pessoas estão em casa e a atividade, especialmente para as advogadas e os advogados, foi abruptamente interrompida.
Diria que este tempo de paragem tem, também, de ser um tempo de reflexão, para nos reposicionarmos, para tomar fôlego e para seguirmos em frente.
Por tudo isto, parece que temos de entrar num tempo de encontrar equilíbrios. Entre quando e como parar, entre trabalhar, mas em segurança, e entre estarmos juntos, mas com distanciamento social.
Se adaptarmos esta fórmula de equilíbrio às nossas vidas, somos desde logo impactados nas nossas profissões, naquilo que escolhemos para fazer, para produzir para a sociedade e em como podemos continuar a fazê-lo nestes tempos difíceis e estranhos.
Quem, como eu, escolheu ser advogado, fê-lo porque pretendia ajudar a fazer Justiça e ajudar os cidadãos a defender os seus direitos. Ora, isso não se compadece com o que nos é pedido nesta hora, pelo que teremos de encontrar um equilíbrio, palavra que provém do latim e significa, de certa forma, a igualdade na balança, curiosamente o símbolo da Justiça.
Este equilíbrio deve aplicar-se à nossa profissão e ao seu exercício. É, por isso, determinante, mais do que nunca, que a classe se una e que continue a trabalhar, devido à relevância da advocacia, que é um dos pilares estruturantes da forma como nos organizamos em sociedade.
Acredito que todos nós temos uma missão neste momento, mas as advogadas e os advogados têm uma missão muito diferenciada e diferenciadora. Temos de nos unir para ajudar a segurar um país que está a atravessar uma fase muito complicada, com consequências que não acabarão agora.
Sabemos que os advogados estão desprotegidos e que ficaram de fora dos apoios do Estado, mas espero que, com todas as diligências que têm sido tomadas, a classe se faça ouvir e que o Estado reconsidere.
Além da defesa dos direitos dos cidadãos, do acompanhamento de vítimas ou arguidos, dos julgamentos urgentes, é também muito importante que os advogados sejam vistos como um instrumento determinante para a securitização dos negócios jurídicos. E avizinham-se inúmeras situações em que é necessária a formalização, especialmente no apoio às empresas. O que será destes negócios jurídicos sem a participação das advogadas e dos advogados?
É importante que os cidadãos entendam o nosso papel na sociedade e que, de uma vez, se combata a imagem menos positiva que tem sido veiculada.
Todos temos os mesmos objetivos e isso é patente na ação das diversas entidades representativas da classe. Esta conjuntura deverá servir para nos unir ainda mais e para ajudar a sociedade a reerguer-se depois da crise, através do auxílio aos cidadãos e às empresas.
Deve, também, servir para que, no imediato, nos reinventemos e apostemos urgentemente em plataformas e meios informáticos para a prática de atos que até hoje só podem ser feitos na presença de todos.
Quero propor um investimento numa reforma legislativa que permita continuar a celebrar atos que são urgentes e determinantes, especialmente na fase que atravessamos, para ultrapassarmos esta situação. Queremos fazer reconhecimentos de assinaturas, termos de autenticação, procurações, documentos particulares autenticados, de forma segura, sem a presença dos intervenientes.
Temos de criar formatos seguros juridicamente, usando a tecnologia, para podermos celebrar os negócios e formalizar as vontades negociais das partes. Vai ser necessário celebrar contratos, introduzir períodos de carência, alargar prazos e continuar, em equilíbrio, a auxiliar o tecido empresarial e os particulares que necessitam de ver os seus negócios realizados ou os prazos dos contratos ampliados.
Os advogados e as advogadas terão de ter aqui um papel determinante no apoio a todos estes negócios e não deixar que outras alternativas assumam esse papel, colocando em causa a segurança dos atos e desprotegendo os direitos dos cidadãos.
É urgente que o Ministério da Justiça perceba que estas alterações são vitais para que as advogadas e os advogados possam encontrar formas alternativas de exercer a sua profissão e garantir que os negócios jurídicos são feitos à luz da interpretação e qualidade profissional que só a nossa classe lhes pode empregar. Ademais, com os tribunais fechados e com a classe a passar por tantas dificuldades, é muito importante que estejamos no terreno a apoiar os cidadãos e as empresas para que continuemos a manter o equilíbrio possível na nossa economia perante a atual conjuntura excecional.
Existem ideias, possibilidades e capacidades para pôr em marcha desde já este desiderato. Só falta a vontade, que temos de ajudar a estimular.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico