Covid-19: No país onde o contágio é mais rápido, o Presidente responde: “E daí?”
Um estudo revela que o Brasil é o país onde a taxa de contágio pelo novo coronavírus é a mais elevada no mundo. Há mais de cinco mil mortes causadas pela covid-19.
A curva do número de casos de infecção por covid-19 no Brasil não pára de crescer e, perante a taxa mais elevada de contágio no mundo, a pandemia pode vir a ser bem mais grave nos próximos tempos. O Presidente, Jair Bolsonaro, chocou o país e o mundo ao voltar a desvalorizar as mortes que se vão acumulando por todo o país e insiste na reabertura da economia.
No dia em que o número de mortos no Brasil superou os que foram registados na China, onde teve origem a pandemia no final do ano passado, Bolsonaro voltou a emitir comentários polémicos. “E daí?”, começou por questionar, quando confrontado com os números durante uma das habituais conferências de imprensa à entrada do Palácio da Alvorada, ao início da noite de terça-feira. “Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, acrescentou, enquanto um grupo de apoiantes se ria.
Não é a primeira vez que Bolsonaro desvaloriza o impacto humano da pandemia do novo coronavírus – que, em Fevereiro, chegou a descrever como uma “gripezinha” e uma “fantasia” dos media. Mas desta vez tentou remediar a situação, assim que percebeu que as suas declarações estavam a ser transmitidas em directo para os principais canais de televisão nacionais.
“Lamento a situação que nós atravessamos com o vírus. Nos solidarizamos com as famílias que perderam seus entes queridos, que a grande parte eram pessoas idosas, mas é a vida. Amanhã vou eu”, declarou Bolsonaro.
Menos de 24 horas depois, Bolsonaro voltou ao tema, desta vez para atacar os governadores, com quem tem mantido um embate constante – a maioria tem decretado medidas para conter a propagação, como o cancelamento de eventos e o encerramento do comércio, que, na opinião do Presidente, prejudicam a economia e têm consequências mais graves do que o vírus.
“A imprensa tem que perguntar para o [governador de São Paulo, João] Doria porque mais gente está perdendo a vida em São Paulo”, afirmou Bolsonaro, que rejeitou ainda qualquer responsabilidade pelas mortes. “Não adianta a imprensa botar na minha conta”, disse.
Subida acentuada
O dado mais preocupante é a rapidez da evolução do número de casos confirmados. Com mais de 73 mil casos, de acordo com os dados da Universidade Johns Hopkins relativos a esta quarta-feira, o Brasil ocupava a 11.ª posição entre os países mais afectados pelo novo coronavírus. Mas o ritmo diário de infecções mostra que, ao contrário de alguns dos países europeus mais afectadas, como Espanha e Itália, no Brasil a curva está longe de derrubar o crescimento da curva.
O número de casos no Brasil tem subido a um ritmo diário médio de 4500 e está entre os mais elevados a nível global, contrariando a tendência entre os países da Europa Ocidental que é de queda do número de infecções diárias. Até ao final da próxima semana a barreira dos cem mil casos será facilmente superada.
Um estudo do Imperial College de Londres mostra que, entre 48 países analisados, o Brasil é aquele que apresente a mais elevada taxa de contágio. O indicador conhecido como R0 apresenta o valor de 2,81, ou seja, cada pessoa infectada pode, potencialmente, transmitir o vírus a outras três.
As mortes por infecção acompanham a tendência de subida acelerada no Brasil. Quase metade das mais de cinco mil mortes registadas ocorreram na última semana e, entre os países mais afectados, a taxa de letalidade no Brasil é das mais altas.
Este panorama levou o ministro da Saúde, Nelson Teich, a reconhecer o “agravamento da situação” no país, na contramão do seu Presidente. “A gente tem uma manutenção desses números elevados e crescentes, a gente tem que abordar isso como um problema, com uma curva que vem crescendo”, afirmou o ministro após ter revelado um novo recorde no número de mortes nas últimas 24 horas.
Estados sob pressão
No terreno, o cenário é desigual ao longo do território. Nas regiões do Norte e no Nordeste, os sistemas hospitalares já entraram em colapso em estados como o Amazonas, Pernambuco, Maranhão, Pará e Ceará. Em Manaus, por exemplo, as autoridades não conseguem processar o número de enterros de vítimas da pandemia. Esta semana, os caixões começaram a ser empilhados numa vala comum – a capital do Amazonas regista uma média de cem mortes diárias.
Os sistemas de saúde dos estados do Sul, mais ricos, não estão tão pressionados, mas no Sudeste, os casos de São Paulo e do Rio de Janeiro – os estados mais populosos do país – são preocupantes. São Paulo concentra mais de 24 mil dos 71 mil infectados a nível nacional e, na capital, as unidades de cuidados intensivos da rede pública já estão muito perto da ocupação total. A cidade está a tentar garantir o apoio dos hospitais privados, segundo a Folha de São Paulo. No Rio, com mais de 8500 casos e mais de 700 mortes, a situação é semelhantte. Até o governador Wilson Witzel foi infectado.
A magnitude do coronavírus no Brasil pode, no entanto, ser bem mais profunda do que aquilo que tem sido divulgado. Com um reduzido número de testes – foram realizados até agora 339 mil testes, menos do que em Portugal, por exemplo – a subnotificação de casos é um dos maiores problemas que as autoridades de saúde pública enfrentam.
Um indicador desta realidade é a explosão do número de mortos por síndrome respiratória aguda grave, que desde 16 de Março subiu mais de 1000%, de acordo com um levantamento feito pelo canal Globo. Os especialistas estão convictos que grande parte destas mortes apenas não foi diagnosticada como sendo causadas pela covid-19 por falta de exame.