O palco é online e o Dia Mundial da Dança é onde um ecrã quiser
Com as salas fechadas e o público isolado, inéditos, reposições, filmes e aulas preenchem uma jornada digital que também será marcada pela reflexão de um sector em crise aguda.
Companhias e bailarinos de todo o país assinalam esta quarta-feira o Dia Mundial da Dança com espectáculos e actuações especiais online numa altura em que os palcos estão fechados e os espaços públicos não devem ser partilhados. De Norte a Sul de Portugal, estreiam-se criações originais ou repõem-se peças mais ou menos recentes. Perde-se “a beleza efémera e arrebatadora de uma emoção revelada perante olhares testemunhas de um propósito comum”, como resumem os directores artísticos da Companhia Paulo Ribeiro, mas estes dias “podem gerar novas ligações”.
São Castro e António M. Cabrita, os actuais coreógrafos titulares da Companhia Paulo Ribeiro, levarão à cena um projecto criado para apresentar exclusivamente online neste Dia Mundial da Dança mas que tem por base o espectáculo Last, estreado em Setembro no Teatro Viriato, em Viseu, numa co-produção sua com o Teatro Municipal do Porto e o São Luiz Teatro Municipal, de Lisboa. Last at home estará disponível na conta da companhia na plataforma Vimeo.
Cada um dos seis bailarinos que se movimentam ao som do String Quartet nº 12 (I. Maestoso-Allegro) de Beethoven, interpretado pelo Quarteto de Cordas de Matosinhos, gravou um excerto em sua casa. Juntos, visitam agora ao domicílio, com uma revisão deste espectáculo cuja itinerância foi interrompida sem data prevista de regresso, um público que necessariamente se dispersou. O programa do Teatro Viriato para o Dia Mundial da Dança completa-se com Sonífera Ilha, um encontro virtual, marcado para as 17h na plataforma Zoom, com o coreógrafo Henrique Amoedo e a companhia Dançando com a Diferença – um projecto de dança inclusiva fundado em 2001 na Madeira mas que tem um longo historial de colaboração com Viseu.
No seu comunicado sobre a data que esta quarta-feira, excepcionalmente, se celebra longe dos palcos, a Companhia Paulo Ribeiro sublinha que os intérpretes serão remunerados pelo seu trabalho em Last at home. É como que um lembrete de que a paralisação do sector cultural, e em particular dos espectáculos ao vivo, é um efeito do isolamento social com consequências pesadas no tecido socio-profissional das artes, e de que a dança não é nisso excepção.
Também a Companhia Nacional de Bailado (CNB) vai festejar a data instituída pelo Comité Internacional da Dança da UNESCO em 1982, assinalando o dia de nascimento do bailarino Jean-Georges Noverre (1727-1810), um dos pioneiros da dança moderna. Prometendo “surpresas” ao longo do dia, exibirá no seu site o documentário No Escuro do Cinema Descalço os Sapatos (2016), de Cláudia Varejão, sobre a própria CNB, e disponibilizará ainda entrevistas aos bailarinos conduzidas pela jornalista Cristina Peres. As mais recentes séries da colecção digital Outras Danças, curtos filmes sobre peças, artistas ou histórias de projectos da companhia, serão igualmente postas online.
A geografia torna-se relativa na Internet, mas é também em Lisboa que a Culturgest vai comemorar, com a transmissão nas suas contas de YouTube e Facebook, às 21h, do premiado Cesena, de Anne Teresa De Keersmaeker e da sua companhia Rosas. O espectáculo ficará disponível até dia 30 e será uma oportunidade de reencontrar a coreógrafa belga agora que, devido à covid-19, está adiada a apresentação na Culturgest de A Love Supreme. Com direcção musical de Björn Schmelzer e integrando 19 bailarinos e cantores, Cesena estreou-se em 2012 no Festival de Avignon e mostrou-se em Portugal no Alkantara Festival, em Lisboa, tendo também integrado o programa de Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura.
Mais a norte, mas às mesmas 21h, o Teatro Municipal do Porto vai transmitir, na sua página de Facebook, Brother, do bailarino e coreógrafo Marco da Silva Ferreira. O espectáculo, precisamente focado na dança como celebração artística e colectiva, estreou-se em Janeiro de 2017 naquele teatro e já passou por vários países.
Já na "Cidade Digital” em que está agora transformado o Centro Cultural de Belém (CCB) o Dia Mundial da Dança será duplamente assinalado: o programa das festas passa pela apresentação de Multiplex, criação de 2013 de Rui Horta que ali teve a sua estreia, e por um vídeo em que se reúnem os testemunhos dos bailarinos e coreógrafos Victor Hugo Pontes, Olga Roriz, Miguel Ramalho, Rui Horta, João Fiadeiro, Jonas&Lander, Paulo Ribeiro, Clara Andermatt e Daniel Cardoso. Ambos os conteúdos ficarão disponíveis até ao final de Junho no site e nas plataformas digitais do CCB.
À espera de um fundo de emergência
Provando que a dança continua, mesmo com as salas fechadas, a Companhia de Dança de Almada vai estrear nas suas redes sociais, logo às 9h30, o espectáculo original produzido em confinamento De dentro. Mais tarde, pelas 16h, haverá lugar à reposição, no Vimeo, da peça Fobos (2017), e às 18h, na plataforma Zoom, seguir-se-á uma aula de dança contemporânea dirigida por Václav Kuneš.
Com o país pontuado por espectáculos e iniciativas em torno da dança, a bailarina Leonor Keil preparou, a convite da cooperativa Largo Residências, um programa que inclui a partilha de vídeos, playlists (de canções, de espectáculos e de filmes) e manifestos e ainda uma conversa com a crítica de dança Claudia Galhós. A Artemrede, por seu turno, vai exibir nas suas redes sociais e no YouTube o documentário Água, de Eva Ângelo, que se debruça sobre o espectáculo Vale, de Madalena Victorino, também com transmissão online esta quarta-feira– tudo a partir das 15h.
Trio – Três coreógrafos Galili – Giggi – Cardoso estará no Vimeo da companhia Quorum Ballet a partir das 21h30 desta quarta-feira e até 3 de Maio. E a associação Teoria Aprazível terá também online o ensaio aberto de Anticorpo (uma co-produção Culturgest/Balleteatro de 2009), de João Costa Espinho/Maria João Espinho (pessoa em transição intersexual).
Mas este invulgar Dia Mundial da Dança servirá também outro fim: o da reflexão. A essa tarefa se dedicará a Rede – Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea, que vai juntar-se com os seus associados em videoconferência para reflectir sobre o estado das artes performativas numa altura em que pede ao Governo “um verdadeiro fundo de emergência com verbas significativas”. Em comunicado, a Rede revelava esta terça-feira ter já enviado uma série de propostas à ministra da Cultura porque “as soluções até ao momento avançadas pela tutela mostram-se desadequadas, dispersas e pouco abrangentes”. “Sabemos que muitos trabalhadores se encontram na impossibilidade de pagar contas, rendas ou prestações da casa ou até o mais básico cabaz alimentar”, sublinha a associação, reclamando “o envolvimento das Direcções Regionais de Cultura com reforço de verbas” e a necessidade de regulamentar de vez o estatuto do trabalhador intermitente.