Encontros de Fotografia de Arles cancelados
Quando a França se prepara para levar a cabo um lento desconfinamento, plano cujas linhas gerais foram nesta terça-feira apresentadas pelo primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, os Encontros de Fotografia de Arles, a mais importante data da especialidade a nível mundial, foram cancelados.
Numa decisão sem precedentes em mais de 50 anos de história, os Encontros de Arles, o festival de fotografia mais importante do mundo, foram cancelados por causa da pandemia de covid-19.
Previsto para decorrer entre 29 de Junho e 20 de Setembro, o festival, que na edição comemorativa do ano passado recebeu 145 mil visitantes e 1,4 milhões de visitas às exposições, tinha já anunciado a programação para 2020 no início de Março com dezenas de exposições e uma panóplia de actividades em torno da fotografia.
Num curto comunicado, a organização revela que desde há dois meses que estudava todas as possibilidades para manter o festival e, ao mesmo tempo, cumprir as recomendações de distanciamento social num contexto de saúde pública sem precedentes em França (um dos países mais afectados na Europa) e no mundo. Certo é que depois desse exercício, chegou-se à conclusão que “é impossível produzir exposições e equipar todos os locais” com as exigentes medidas em curso para tentar travar a propagação do novo coronavírus. “As viagens internacionais foram congeladas e as aglomerações de pessoas em espaços públicos foram proibidas no futuro próximo. A saúde tornou-se a principal prioridade. Todos estes factores levaram-nos a cancelar com relutância o Encontros de Arles de 2020”, justifica a organização que reconhece que “nunca foi tão difícil tomar uma decisão” no seio do festival, que no ano passado celebrou cinco décadas.
Na reunião de hoje do conselho de administração ficou ainda decidido que o festival apoiará “o mais possível” os artistas e curadores envolvidos na edição deste ano, “pagando-lhes os seus direitos pelas exposições” canceladas. O mesmo organismo deixa ainda palavras de reconhecimento à equipa que estava a organizar os Encontros deste ano, “cujo compromisso, entusiasmo e determinação nunca vacilaram”, bem como aos habitantes de Arles, cidade da região Provence-Alpes-Côte d'Azur a cerca de 90 quilómetros de Marselha, que todos os anos se organizam par receber dezenas de milhares de visitantes durante o Verão.
Com os olhos postos no futuro do festival, a mensagem da organização sublinha o compromisso “inabalável” das autoridades municipais, departamentais, regionais e nacionais francesas na concretização da edição de 2021: “Com um coração pesado, mas mais determinado do que nunca, a equipa dos Encontros de Arles continua comprometida com o que nos liga: a fotografia”.
Com quase 35 grandes exposições agendadas, a edição deste ano dos Encontros incluía mostras de, entre outros, Charlotte Perriand (How do We Want To Live? Politics of Photomontage), Chow & Lin (The Poverty Line), na secção Growth and De-Growth; Teresa Margolles e The Story of a Small Fish in a Shark-Infested Ocean – Charlie Chaplin, The Great Dictator, 80 Years On, na secção Motifs of Resistance; Stéphan Gladieu (Democratic People’s Republic of Korea, Portraits), na secção Forbidden Areas; Pieter Hugo (La Cucaracha), na secção Continental Crowds.
Ano de mudanças
O cancelamento desta edição dos Encontros acontece num momento em que se preparam duas alterações relevantes na nomenclatura do festival: o director artístico das últimas seis edições, Sam Stourdzé, está de saída, bem como o presidente da câmara de Arles, Hervé Schiavetti, histórico autarca da cidade, no poder pelo Partido Comunista Francês desde 2001, vice-presidente dos Encontros de Fotografia e um dos principais impulsionadores do projecto da milionária suíça Maja Hoffmann para Arles, a Fundação Luma, instalada nas antigas oficinas dos caminhos-de-ferro, onde, para além dos vários pavilhões gigantes já reconstruídos se ergue uma torre espelhada com a assinatura do arquitecto Frank Gehry.
No texto de anúncio da programação para este ano (“Para uma fotografia de resistência”), Stourdzé estabelece um paralelo entre o cinema de resistência durante a II Guerra Mundial e a fotografia, afirmando que também esta “resiste, levanta e opõe”, e que também “denuncia, liberta, re-reproduz, reinventa e re-encanta”. E termina lembrando O Grande Ditador (1940) de Chaplin (um dos autores que estudou) e dedicando aquilo que seria a 51.ª edição do festival “a todos os peixinhos que, ontem e hoje, através da sua agilidade, convicção, determinação, entusiasmo e desejo de partilhar aventuras, continuam a desafiar os tubarões”.
Nomeado no início de Março como director da Villa Médicis – Académie de France à Rome, instituição que frequentou entre 2007 e 2008, Stourdzé (Paris, 1973), que deixa uma marca de grande ecletismo, sofisticação e um olhar atento ao presente imediato nas últimas seis edições dos Encontros, confessa que durante o seu mandato em Arles teve de lutar para “reinventar” o festival e os lugares onde este acontece: “Nós também somos um desses peixinhos”.
Depois do cancelamento de uma conferência de imprensa agendada para o dia 13 de Março, o presidente dos Encontros de Arles, Hubert Védrine, anunciou no dia 17 a abertura de um concurso para a substituição de Sam Stourdzé na liderança do festival. O prazo para o envio de candidaturas terminou no dia 19 de Abril.
Por seu lado, Hervé Schiavetti, num texto intitulado “Um céu limpo”, tece elogios ao modelo de cooperação entre entidades públicas e privadas que permite todos os anos erguer o festival e lembra que as “esperanças” que partilhou com outros em 2007, a Fundação Luma, os Encontros, a Escola Nacional de Fotografia e a Actes Sud, são agora uma realidade.