“Portugal é um país de extrema importância para os estudos da democratização”

Para James Loxton, Portugal “terá sempre um lugar especial na história por ter dado o pontapé de saída para a terceira vaga de democratização”.

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Cerimónia evocativa do 25 de Abril na Assembleia da República, em 2020 Daniel Rocha

James Loxton é professor na Universidade de Sydney (Austrália) e é um dos principais atuais peritos nos partidos democráticos de origem autoritária. Na sequência de um evento organizado no ICS-ULisboa em Janeiro passado, com o patrocínio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), o investigador falou sobre alguns dos aspectos centrais da investigação que desenvolveu na Universidade de Notre Dame.

A sua investigação constata que a presença de partidos de origem autoritária é a regra e não a exceção. Este facto surpreendeu-o?
Como cidadão do mundo, essa constatação chocou-me. Fiquei extremamente surpreendido, pois não estava à espera que os números fossem tão elevados. Em quase 3/4 das democracias de terceira vaga [pós-1974] há uma presença proeminente de partidos de origem autoritária e, em cerca de metade desses casos, esses partidos regressam ao poder.

O que é que explica que estes partidos consigam ganhar eleições e formar governos?Creio que uma grande parte da explicação reside no facto de os regimes autoritários terem frequentemente apoio popular e, com o tempo, as pessoas poderem ficar mais nostálgicas em relação aos mesmos. Se somarmos a isso as crises ou fracos desempenhos económicos que os primeiros governos democráticos frequentemente enfrentam, essa pode ser uma boa parte da explicação. E repare-se que muitos dos partidos com origens autoritárias que procuraram reformar-se e adaptar-se ao contexto democrático tiveram bons desempenhos nos primeiros anos após a queda dos regimes autoritários, mas acabaram por desaparecer.

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James Loxton

O sucesso eleitoral destes partidos é uma má notícia para as democracias?
Há exemplos de partidos de origem autoritária que regressam ao poder via eleições democráticas e procuram uma regressão autoritária, mas não são muitos. O único exemplo atual é o caso do Nicarágua, que hoje é considerado um regime autoritário. As boas notícias é que não existem muitos casos desses. São raros os casos em que estes partidos desencadeiam uma rutura total com a democracia, mas isso não quer dizer que não possam ser nocivos. Existem razões válidas para acreditar que estes partidos, tendo em conta que continuam a ser liderados por altos dirigentes do anterior regime, se oponham a julgamentos por violação de direitos humanos e, algumas vezes até, a comissões de verdade. Sabem que, se tal ocorrer, os seus líderes podem acabar na prisão. Se considerarmos que a Justiça Transicional é algo importante, isto é preocupante para a democracia. Outra forma em que podem ser nocivos é pela preservação de aspectos da anterior ditadura. É interessante ver que, algumas vezes, temos uma transição para a democracia, mas que continua a ter vestígios do anterior regime. Estes partidos, no entanto, podem também ser surpreendentemente benéficos para a democracia – nomeadamente, ajudam a incorporar os potenciais spoilers no regime democrático. Quero com isto dizer que, na transição para a democracia, há sempre o risco de os membros do anterior regime e de os seus apoiantes procurarem minar a jovem democracia, pelo que é melhor ter essas pessoas dentro do jogo democrático do que excluídas totalmente. No entanto, é um verdadeiro dilema: por um lado, excluir essas pessoas, pois é importante responsabilizá-las pelas atrocidades, ou, por outro, integrá-las no jogo democrático para que não procurem sabotar o regime.

Portugal é uma exceção neste contexto, em que parece não existir nenhum partido com “ADN autoritário”. Porquê esta ausência?
Portugal é um país de extrema importância para os estudos da democratização. Desde logo, terá sempre um lugar especial na história por ter dado o pontapé de saída para a terceira vaga de democratização. A forma como um país faz a sua transição para a democracia parece ter um grande impacto sobre o potencial de ter um partido de origem autoritária bem sucedido. Um dos aspetos que me parecem relevantes e, aliás, é algo semelhante a outros países como a Grécia ou a Argentina, é que o regime autoritário em Portugal não acabou em muito boas circunstâncias. De facto, perder a guerra é algo muito mau para um regime autoritário, pois tem um impacto na forma como as pessoas o recordam.


António Luís Dias, Cláudia Generoso de Almeida, Filipa Raimundo, cientistas políticos membros do Projeto FCT-JUSTLY

  

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