“Pouco ou nada está a ser feito” no combate ao abuso sexual no desporto
O Comité Olímpico de Portugal apela às autoridades desportivas para se manterem vigilantes em relação a um tema para o qual há pouca sensibilidade e mecanismos de prevenção.
Segundo o Conselho da Europa, estima-se que uma em cada cinco crianças seja vítima de algum tipo de abuso sexual e, embora em Portugal o tema permaneça “um não assunto”, nos países onde existem registos e estudos na área conclui-se que o desporto é uma das áreas de maior risco. Por esse motivo, o Comité Olímpico de Portugal (COP) apelou neste sábado às autoridades desportivas para que se mantenham vigilantes em relação a situações para as quais continuam a não ter a “menor sensibilidade”, nem “mecanismos de prevenção ou linhas de denúncia eficazes”.
“Ciente da complexidade” do fenómeno, o COP pretende, com este alerta, sensibilizar “os seus membros, bem como as autoridades públicas com competências neste domínio para a implementação e cumprimento dos princípios orientadores e normas de referência indispensáveis para travar” a ameaça dos “fenómenos de violência, assédio e abuso sexual”, que “traduzem uma realidade incontornável no mundo do desporto, onde potenciais vítimas enfrentam diversas vulnerabilidades, que importa colmatar na salvaguarda da sua integridade física e moral”.
O organismo, presidido por José Manuel Constantino, explica que esta tomada de posição “é suscitada porque o universo desportivo tem vindo a ser assolado um pouco por todo o mundo por uma onda de escândalos relacionados com a violência, o assédio e o abuso sexual de jovens atletas, os quais, à semelhança de outros sectores de actividade onde estas denúncias ocorrem, têm profundos danos não apenas na integridade moral das vítimas, mas também na credibilidade e reputação das organizações desportivas”.
Lembrando que a Organização Mundial de Saúde “considera mesmo a violência e o abuso como questões de saúde pública”, o COP adverte que “pese embora não existam indicadores seguros quanto aos números, existe a percepção de que a problemática do abuso sexual (hetero ou homossexual) não é residual e de que se trata de um fenómeno encontrado um pouco por todo o espectro desportivo”.
Para combater o problema, o COP defende a criação de um conjunto de estratégias que detectem “factores de risco em contextos desportivos”, o que “conduzirá expectavelmente, como ocorreu na generalidade dos países onde este caminho se trilhou, a um aumento de revelações de ocorrências de abuso sexual a menores”.
Contactado pelo PÚBLICO, João Paulo Almeida, director-geral do COP, explicou que embora o organismo seja “uma entidade de topo desportivo a nível nacional”, não tem “jurisdição sobre as federações”, por isso o trabalho do COP “passa por alertar, por persuadir e por prevenir”.
“O que o COP procurou com esta posição, é que, pelo menos, as pessoas comecem a ficar despertas para esta realidade e que procurem implementar princípios, e normas básicas de referência, algumas delas que já estão no nosso ordenamento jurídico, como certificarem-se e terem uma cópia do registo criminal dos treinadores que trabalham com crianças e jovens. Nalguns casos, bastava isso ter sido cumprido para que as coisas não alcançassem o impacto que alcançaram.”
João Paulo Almeida, que lamenta que as organizações desportivas e autoridades públicas com competências na área não tenham a “menor sensibilidade” para o tema, nem “mecanismos de prevenção ou linhas de denúncia eficazes”, acrescenta que a “principal mensagem” que o COP pretende transmitir é que não é aceitável viver em negação, até porque esta é uma problemática que não é desconhecida das entidades federativas. “Quando falamos com pessoas das mais variadas modalidades, todas conhecem casos, mas ninguém quer dar passos em frente.”
O dirigente refere ainda que se olharmos “para os principais documentos de referência e para as posições do Comité Olímpico Internacional e da Comissão Europeia, pouco ou nada está a ser feito em Portugal”, país onde “não há pessoas nas federações com formação neste domínio”.
A terminar, o director-geral do COP adverte que as entidades desportivas “não podem jamais, perante alertas, denúncias ou suspeitas, não agir” ou “não fazer nada e dizer apenas que é um não assunto”. “Viver em negação é muito mais do que não proteger os atletas. É colocar a imagem de todo o desporto em risco, como se viu em França e nos Estados Unidos.”