CEDEAO reconhece Sissoco Embaló como Presidente da Guiné-Bissau
Organização internacional quer novo Governo nomeado até 22 de Maio e uma revisão constitucional no prazo de seis meses. Decisão chega um dia depois do Presidente ter ameaçado suspender o pagamento dos salários de deputados.
Os chefes de Estado e de Governo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) reconheceram, em comunicado, a vitória de Umaro Sissoco Embaló na segunda volta das eleições presidenciais da Guiné-Bissau, dando ao até agora autoproclamado chefe de Estado o respaldo internacional que ainda não tinha conseguido.
Os líderes da região justificam a sua decisão como uma forma de superar o bloqueio que existe actualmente na Guiné-Bissau por causa do diferendo entre a Comissão Nacional de Eleições, que declarou a vitória do candidato apoiado pelo Madem-G15, e o Supremo Tribunal que aceitou a queixa do candidato derrotado, Domingos Simões Pereira, do PAIGC, e não considerou o processo eleitoral como terminado.
“Face à persistência desse bloqueio e depois de analisar aprofundadamente a situação política do país, os chefes de Estado e de Governo da CEDEAO decidiram reconhecer a vitória do senhor Umaro Sissoco Embaló na segunda volta das eleições presidenciais de 29 de Dezembro da Guiné-Bissau”, lê-se no ponto seis do comunicado de duas páginas e nove pontos.
A CEDEAO, que chegou a condenar o golpe de Estado na Guiné-Bissau, acrescenta que “pediu” ao Presidente guineense que “proceda à nomeação de um primeiro-ministro e de um novo Governo o mais tardar até 22 de Maio de 2020, em conformidade com as disposições da Constituição, nomeadamente aquelas relativas aos resultados das eleições legislativas”.
Ou seja, a organização quer que o Presidente nomeie um chefe de Governo que represente a maioria na Assembleia Nacional Popular, onde o PAIGC é o partido mais votado e onde tem o apoio da maioria dos deputados, já que quatro dos cinco eleitos pela Assembleia do Povo Unido (APU-PDGB) continuam a reconhecer como legítimo o Governo de Aristides Gomes, demitido por Embaló. Isto mesmo sendo Nuno Nabiam, o primeiro-ministro escolhido pelo Presidente, líder da APU-PDGB.
Além disso, a CEDEAO “sublinha a necessidade” de começar imediatamente um processo de revisão constitucional, de modo a que a nova Constituição da Guiné-Bissau “seja submetida a um referendo em seis meses de modo a assegurar a estabilidade do país”.
A carta magna guineense, inspirada na Constituição portuguesa, é vista, generalizadamente, como um factor de conflito político, nomeadamente, por instituir um regime semipresidencialista numa região de presidencialismos, em que o chefe de Estado não é chefe do Governo, mas tem ferramentas constitucionais à mão que lhe permitem, como fez o antecessor de Embaló, José Mário Vaz, condicionar o trabalho do Executivo.
Tanto a nomeação do novo primeiro-ministro como a revisão constitucional obrigam o novo Presidente a sentar-se a negociar com o PAIGC e Domingos Simões Pereira. Porque segundo a actual Constituição, o primeiro-ministro tem de ser escolhido pelo partido que detém a maioria no Parlamento e mudar a Constituição precisa de dois terços dos deputados e o PAIGC, que domina a vida política do país desde a independência, tem quase metade da Assembleia (47 em 102).
Ameaças do Presidente
No entanto, a julgar pelas suas declarações de quarta-feira, Embaló não parece com muita vontade de construir pontes com o PAIGC, ao ameaçar destituir o Parlamento e convocar novas eleições.
“No dia em que sentir algum bloqueio do Parlamento, é nesse dia que o dissolvo”, alertou o Presidente, citado pela Lusa. Embaló foi mais longe e garantiu que já instruiu o ministro das Finanças, Aladje Fadiá, para não pagar os salários aos deputados se estes travarem o funcionamento do órgão – assumindo prerrogativas constitucionais que não tem, o de mandar no Governo, que cabe ao primeiro-ministro, e de se envolver nos trabalhos do poder legislativo, que também não tem.
O Presidente acrescentou que irá deixar ao Governo de Nuno Nabiam o diálogo com os deputados, mas acrescentou que a partir de agora “só há um chefe, aquele que foi eleito pelo povo”. Escamoteando que o Parlamento também é eleito, em legislativas que decorreram em Março de 2019 e que o Governo devia representar a escolha dos deputados e não do Presidente.
Sinal de que a revisão constitucional na Guiné-Bissau é essencial para superar a crise política em que o país tem vivido. Aliás, como dizia o ano passado ao PÚBLICO o economista guineense Carlos Lopes, antigo conselheiro político de Kofi Annan quando foi secretário-geral da ONU: “Uma parte do problema da Guiné-Bissau é a Constituição, que não está adaptada à realidade” e “está mal redigida em aspectos cruciais, por isso, existem interpretações várias”.
Carlos Lopes, que actualmente ensina na Nelson Mandela School of Public Governance da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, afirma que o texto “precisava de mais clareza”, nomeadamente porque “há aspectos da Constituição que dão ao Presidente poderes executivos sem serem explícitos”. Por exemplo, “diz que o Presidente nomeia o primeiro-ministro na base dos resultados eleitorais, mas não diz especificamente como essa base deve ser interpretada”.
“Mesmo em países sem crises existe a necessidade de adaptação da Constituição para melhorar a qualidade da governação, quanto mais num país que vive sistematicamente em crise por causa da interpretação da Constituição. Temos um problema e esse problema tem de ser resolvido”, concluiu. A CEDEAO partilha dessa opinião.