Conselho Europeu aprova fundo de recuperação, Comissão sinaliza maior “poder de fogo”

O Conselho Europeu aprovou um novo fundo de recuperação económica assente numa revisão do próximo quadro financeiro plurianual. Presidente da Comissão Europeia fala na importância de apresentar já em Maio uma proposta mais ambiciosa. Mas ainda persistem divisões sobre modo de financiamento.

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Reuters/POOL

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, comprometeu-se a apresentar em Maio uma proposta abrangente e ambiciosa de “biliões de euros” para promover a retoma económica da União Europeia — e que tal como lhe foi pedido pelos chefes de Estado e governo do Conselho Europeu, incluirá um novo fundo para a recuperação económica e uma revisão do próximo quadro financeiro plurianual para 2021-27, a “força motriz” para o relançamento da actividade produtiva e o reforço do mercado interno.

“Concordámos todos que este fundo de recuperação é necessário e urgente, e que deve ter uma magnitude suficiente para atender às necessidades dos sectores e das regiões mais afectadas pela pandemia do novo coronavírus”, anunciou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, no final da quarta reunião de líderes por videoconferência para discutir a resposta à crise.

“A Comissão fará uma avaliação cuidadosa e apresentará uma proposta”, e ao mesmo tempo “o Eurogrupo “continuará a monitorizar a situação e a preparar o terreno para uma retoma robusta”, acrescentou.

A líder do executivo atirou esse exercício para a “segunda ou terceira semana” do próximo mês, embora o primeiro-ministro, António Costa, tenha adiantado a data para o dia 6 de Maio para a apresentação do plano da Comissão, provavelmente influenciado pelo “verdadeiro sentido de urgência” e pela “clara vontade de avançar juntos, progredir nas várias dimensões e construir um acordo” que os líderes demonstraram na reunião, de acordo com o relato de Charles Michel. 

O presidente do Conselho Europeu reconheceu que, apesar de tudo, ainda há “diferentes sensibilidades” sobre os métodos, os instrumentos e as fórmulas mais adequadas para financiar o pacote de recuperação económica.

“Sobre quais serão as modalidades, vamos aguardar as propostas da Comissão”, aconselhou aos jornalistas no final do encontro.

Mas para que não ficasse uma ideia de que continuamos exactamente no mesmo ponto em que nos encontrávamos, disse estar “muito optimista”: “Estas são questões difíceis, mas o debate foi muito racional e acreditamos que seremos capazes de chegar a boas soluções dentro de semanas”.

Também Ursula von der Leyen preferiu não se estender muito em detalhes, evitando especialmente avançar qualquer número que possa estar a ser estudado, quer para o valor do novo fundo de recuperação, quer para o montante global do próximo quadro financeiro plurianual (QFP).

Ainda assim, acabou por revelar algumas ideias, nomeadamente de um aumento do tecto para os recursos próprios do próximo orçamento comunitário, “que em vez dos actuais 1,2% pode ter 2% nos próximos anos”, anunciou.

“O orçamento tem de se adaptar às novas circunstâncias e aumentar o seu poder de fogo. Por isso propomos subir o chamado headroom, isto é, o espaço entre o tecto do orçamento e o tecto dos recursos próprios”, revelou Von der Leyen.

Graças a essa garantia, a Comissão poderá financiar-se nos mercados, “gerando fundos que depois serão canalizados para os Estados-membros através do quadro financeiro plurianual”, explicou, recusando-se a elaborar sobre os valores que a Comissão estima recolher dessa maneira.

Segundo um documento de trabalho a que o PÚBLICO teve acesso, a “proposta integrada” em que o executivo está a trabalhar prevê a mobilização de dois biliões de euros para pagamentos e investimentos.

Esse montante seria “gerado” sem aumentar as contribuições nacionais dos Estados-membros para o orçamento comunitário, fixadas na casa de 1% do respectivo Rendimento Nacional Bruto. 

No entanto, Von der Leyen não excluiu a hipótese de rever o tecto do orçamento. “Ainda há várias coisas a discutir e é muito cedo para detalhes. Mas claro que quando falamos em subir para 2% o tecto dos recursos próprios, isso vai depender do montante global que vier a ter o próximo quadro financeiro plurianual”, notou.

A única certeza que a presidente deixou em relação à revisão do QFP foi que haverá uma maior incidência do investimento nos primeiros anos.

Charles Michel, que em Fevereiro convocou uma cimeira extraordinária precisamente para tentar ultrapassar o impasse da negociação do quadro financeiro plurianual (foi a última vez que os líderes estiveram reunidos na mesma sala e não acabou bem), foi ainda mais vago. “Sabemos que o Produto Interno Bruto vai ser severamente afectado pela crise. Continuamos a trabalhar num compromisso relativamente ao valor global do orçamento”, afirmou.

As mesmas alianças e dinâmicas políticas que impediram até agora o consenso dos Estados-membros sobre o orçamento têm-se manifestado nas sucessivas reuniões dos líderes para discutir a resposta à crise provocada pelo coronavírus.

O grupo de países, conhecidos como os frugais, que recusa aumentar as contribuições para os cofres de Bruxelas, também não aceita que o financiamento da retoma seja feito através de transferências directas ou da partilha do risco. E os maioritários amigos da coesão, o grupo onde se inclui Portugal, insistem que não se pode cortar nos programas que permitem criar um level playing field no mercado interno, nem sobrecarregar os países que têm mais dívida pública (coincidentemente alguns dos mais fustigados pelo coronavírus) com mais crédito e mais défice.

As divergências — que no actual contexto se manifestam na dicotomia grants vs loans, isto é, numa maior dependência de subvenções ou um maior recurso a empréstimos para distribuir o fundo da retoma pelo Estados-membros — não foram minimamente resolvidas na reunião desta quinta-feira.

Ursula von der Leyen garantiu que a proposta da Comissão terá “seguramente um equilíbrio saudável entre subsídios e empréstimos”, cuja maturidade deverá ser esbatida para um horizonte mais longínquo. “Há uma variedade de opiniões sobre este tema, e há prós e contras para ambos os instrumentos”, disse, classificando o debate no Conselho como “construtivo” e “encorajador”.

Segundo o PÚBLICO apurou, o primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, mostrou-se contrário às subvenções, mas desta vez não foi o líder que mais atacou o princípio das transferências entre Estados-membros. Os discursos mais duros foram dos líderes da Suécia e da Dinamarca, dois membros da família socialista europeia.

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, resguardou a sua posição para depois da apresentação da proposta da Comissão Europeia para o fundo de recuperação.

No documento de trabalho, o que está escrito é que este novo instrumento financeiro será temporário e constituído ao abrigo do artigo 122.º do Tratado de Funcionamento da UE, para permitir o recurso aos mercados.

A percepção dos líderes no Conselho foi que o plano da Comissão passa pela emissão de dívida conjunta para financiar o fundo — a solução que Merkel já apontara de manhã, numa intervenção no Bundestag.

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