Comissão tenciona pedir menos dinheiro aos países para pagar retoma económica

Proposta de revisão do próximo quadro financeiro plurianual baixa o montante das contribuições nacionais. Plano de recuperação do executivo prevê a mobilização de dois biliões de euros em investimentos e pagamentos, sem aumentar o tecto do orçamento.

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Reuters/POOL

A criação do novo Instrumento para a Recuperação e Resiliência, no valor de 200 mil milhões de euros, e a transformação do programa de apoio ao investimento InvestEU em RecoverEU, com um reforço da garantia orçamental para o dobro, dos 38 para os 76 mil milhões de euros, são algumas das novidades previstas pela Comissão Europeia no âmbito da sua revisão da proposta de quadro financeiro plurianual (QFP) para 2021-27 para responder à crise provocada pelo novo coronavírus.

De acordo com um documento de trabalho a que o PÚBLICO teve acesso, o executivo comunitário prepara-se para divulgar uma “proposta integrada” para um plano de recuperação económica e um novo quadro financeiro para os próximos sete anos que, pelos seus cálculos, permitirá mobilizar dois biliões de euros em pagamentos e investimentos sem que seja preciso mexer no tecto máximo do orçamento ou aumentar as contribuições nacionais dos Estados-membros para os cofres de Bruxelas.

A Comissão, aliás, até revê em baixa a sua proposta anterior para o financiamento quadro plurianual, assente em transferências das capitais no valor de 1,1% do rendimento nacional bruto de cada país.

A “nova proposta de QFP exigirá contribuições nacionais modestas, tendo em conta a ambição do programa”: estão abaixo da proposta da Comissão de 2018, e da proposta de compromisso apresentada pelo presidente do Conselho Europeu na cimeira de Fevereiro, lê-se no rascunho, de apenas duas páginas. 

A solução de compromisso avançada por Charles Michel para vencer o impasse negocial no Conselho Europeu apontava para uma redução do esforço financeiro dos Estados-membros para 1,069% do rendimento nacional bruto e do montante global do orçamento e previa cortes adicionais em torno dos 10 mil milhões de euros nas receitas e de 14 mil milhões de euros nas despesas. Foi liminarmente rejeitada pelos líderes europeus.

A Comissão Europeia acredita, porém, que se pode trabalhar nessa base, revendo alguns dos instrumentos existentes — programas e fundos — que seriam ajustados às necessidades da retoma (“fit for purpose”, no jargão técnico) e criando novos mecanismos.

É nesse sentido que propõe o reforço da dotação de programas como o Horizonte Europa e o InvestEU, rebaptizado RecoverEU, ou a criação de outros dois fundos “para proteger e fortalecer o mercado interno”: um para apoiar a recapitalização das empresas e outro para “construir autonomia estratégica em cadeias de abastecimento vitais”. Juntos os novos fundos garantiriam investimentos até 200 mil milhões de euros.

Um “elemento-chave da estratégia”, segundo o documento, é a integração no orçamento do novo Instrumento para a Recuperação e Resiliência, ao qual os Estados-membros podem recorrer para financiar os seus planos nacionais de reconstrução económica. 

“Tem um orçamento proposto de 200 mil milhões de euros”, ao qual se acrescentam os montantes disponíveis através do Instrumento Orçamental para a Convergência e Competitividade (BICC, na sigla em inglês) e da Iniciativa para o Investimento para a Resposta ao Coronavírus, que levou ao redireccionamento dos fundos estruturais para assegurar liquidez aos países.

“Adicionalmente, vamos reafectar 50 mil milhões de euros do envelope da política de coesão para 2021 e 2022, para manter o apoio ao mercado laboral, aos sistemas de saúde e pequenas e médias empresas. Isso deverá resultar em mais de 150 mil milhões em despesas nesses dois anos”, apontam os planos da Comissão.

O executivo inova no financiamento do seu plano de recuperação económica e relançamento da actividade produtiva da UE. “Este plano será financiado através de um instrumento temporário e do sistema de recursos próprios do quadro financeiro plurianual”, diz um dos pontos do documento de trabalho.

Com base no Artigo 122.1 do Tratado de Funcionamento da UE, a Comissão iria financiar-se aos mercados num montante até 320 mil milhões de euros: “Aproximadamente metade desse montante consistirá em empréstimos aos Estados-membros e o resto permanecerá no orçamento para ser reembolsado pelos Estados-membros depois de 2027, num prazo longo, ou pago através de recursos próprios adicionais a criar no futuro.”

Assim, apesar de parco nos detalhes, o documento de trabalho da Comissão revela que a solução que está a ser pensada para o financiamento da retoma da UE passa, em grande parte, pela concessão de crédito (empréstimos) aos países, contra garantias de cobertura pelo próprio quadro financeiro plurianual.

Essa é uma fórmula que agrada aos chamados países frugais, os contribuintes líquidos do orçamento comunitário, que não querem aumentar as suas contribuições, nem aceitam transferências entre Estados-membros.

No entanto, a Comissão também prevê distribuir uma parcela substantiva em pagamentos directos a partir do QFP (subvenções), que é o que exigem os países mais afectados pela crise sanitária do coronavírus e aqueles com maior nível de dívida pública, como a Itália, Espanha, França e Portugal.

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