Funcionária levou mãe para o tribunal por não ter quem tomasse conta dela

Idosa ficou a cargo de filha desde que teve AVC. Com a chegada da pandemia funcionária judicial deixou de poder contar com apoios para cuidar de octogenária.

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Adriano Miranda

Uma funcionária judicial levou esta segunda e esta terça-feira a mãe octogenária consigo para o Tribunal de Portimão, onde trabalha. Diz não ter quem tomasse conta dela. Na terça-feira superiores hierárquicos avisaram-na que não podia colocar a idosa em risco daquela forma e não lhe restou voltar senão voltar com a progenitora para casa.

Sem conseguir resolver o problema, Luísa Duarte, de 58 anos, escreveu no início do mês ao Presidente da República a relatar o seu drama. Cuidadora da mãe desde que esta sofreu um AVC, já tinha conseguido montar uma rede de apoios que lhe permitia continuar a trabalhar: contratara uma mulher para levantar, dar banho e pequeno-almoço à octogenária durante a manhã e depois ainda havia uma clínica de terapia que ocupava parte do tempo à idosa, que sofreu sequelas que a deixaram completamente dependente de terceiros e com grandes dificuldades em comunicar. Com a chegada da pandemia, a clínica fechou e a mulher com quem podia contar para as manhãs teve de ficar em casa com os filhos menores.

Tem um irmão que pode fazer companhia à mãe, mas cujos problemas na coluna vertebral o impedem de prestar toda a ajuda de que necessita alguém que se encontra numa cadeira de rodas. E a filha nem sempre lhe pode acudir.

“Estou profundamente indignada porque já solicitei autorização para trabalhar em casa, por duas vezes, pensando que era a maneira mais correcta de agir, neste período em que temos obrigação de nos proteger e de proteger em especial uma população altamente vulnerável, como são os nossos idosos. Foram indeferidos os meus pedidos!”, contou a Marcelo Rebelo de Sousa. Colocada em turnos que implicam uns dias em teletrabalho seguidos de outros em trabalho presencial no Departamento de Investigação e Acção Penal, Luisa Duarte decidiu levar a mãe pela primeira vez consigo na segunda-feira. Não pediu autorização a ninguém, admite: “Dei conhecimento aos meus superiores. A minha mãe não faz barulho, não atrapalha, e eu não tinha alternativa. Além disso, nesta altura não há atendimento ao público no tribunal”.

A morar a 17 quilómetros do tribunal, diz que anda sempre com o coração nas mãos, por não conseguir proteger a idosa como devia e como queria. ”Foi ela quem cuidou dos meus filhos até terem idade para irem para a escola”, recorda. E indigna-se com o Governo, por os apoios que criou para a fase de pandemia abrangerem quem tem filhos pequenos ou pais vindos de lares de terceira idade, mas não situações como a sua. “Ainda há filhos que querem cuidar dos pais, quero acreditar que não sou a única! Mas neste momento sinto-me impotente,  indignada e ansiosa, por ter que me ausentar de casa”, resume.

Noticiada pelo Jornal de Notícias, a situação deu origem a uma reclamação do Sindicato dos Funcionários Judiciais à Direcção-Geral da Administração da Justiça, com conhecimento à ministra Francisca van Dunem. A directora-geral da Administração da Justiça, Isabel Namora, diz que a oficial de justiça podia ter pedido para antecipar as férias, cujo gozo não depende nesta altura do acordo da entidade patronal. “Não havia razão nenhuma - nem pode haver - para levar a mãe para o local de trabalho”, observa esta responsável, adiantando que colegas seus igualmente com problemas pessoais foram igualmente incluídos no mesmo sistema de rotatividade, depois de uma “análise cautelosa das necessidades dos funcionários”. 

O facto de haver no Ministério Público processos que nunca foram digitalizados exige a presença física não só de funcionários mas também de magistrados nos tribunais, explica Isabel Namora. Esta direcção-geral está agora a analisar “que actuação podia ter existido para que o resultado não fosse este”, uma vez que a tutela “não quer que situações como esta aconteçam”. 

“Continuaremos a fazer o nosso melhor para ir ao encontro das necessidades dos oficiais de justiça”, promete a directora-geral. 

Luisa Duarte vai contando os dias para poder voltar a ficar em teletrabalho. Até lá vai ter de desenrascar soluções de recurso: hoje uma amiga dá uma ajuda, amanhã pedirá à filha. “Não vale a pena estarmos com dramas nem com tragédias. É o que temos”, remata. 

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